Muitas vezes olhamos para as nossas vidas e parece-nos que nada acontece, que estamos parados e a estagnar. Invariavelmente, nesse momento, observamos um caminho percorrido e frustramo-nos com o ponto a que chegámos, que muitas vezes parece equivalente a nada, comparado com o esforço já feito. Sem percebermos, temos uma visão deturpada da nossa vida, do nosso caminho, do ponto em que estamos e nos colocamos, moldada não pela realidade ou pela consciência de estarmos no centro das nossas vidas, mas sim pelas expectativas e auto-exigências que colocamos, desde muito cedo, sobre nós mesmos.
Imaginemos alguém que decide ir fazer uma maratona sem fazer qualquer tipo de preparação. O resultado é muito simples, ao fim de algum tempo, até podem ser alguns quilómetros, o corpo vai falhar, podendo até colocar em risco a própria vida. Todos os grandes propósitos e projectos implicam preparação, dedicação árdua, focada e intensiva. Nenhum grande feito surgiu do nada, e até mesmo aqueles que foram felizes acasos tiveram como base muito tempo de dedicação a uma experiência, em busca de outro algo.
Esquecemo-nos frequentemente que tão importante quanto o movimento externo é o movimento interno. No exemplo da maratona, a corrida em si não pode concretizar-se de forma correcta sem todo o tempo de preparação e treino, que, por norma, é infinitamente maior. Da mesma maneira, em momento algum as nossas vidas são uma constante de movimento e acontecimentos, são também precisos os tempos de reflexão, de planeamento e de integração do caminho percorrido, o que nos leva a novas decisões, novos caminhos, novos movimentos.
Queremos sempre ver movimento externo nas nossas vidas, coisas a acontecerem, pois assim afastamos o nosso olhar de algo que é sempre difícil, o nosso interior. Contudo, quando algum acontecimento ou situação fracturante surge nas nossas vidas, é-nos solicitado esse mesmo olhar mais profundo, essencial e enriquecedor, algo que, por medo do que poderemos encontrar, por não querermos encarar e integrar determinadas questões, faz com que, muitas vezes, desviemos o olhar de nós mesmos, perdendo a noção do ponto presente, do caminho feito, do trilho percorrido. Nesse instante, parece que a vida parou e estagnou, recordamo-nos das falhas e dos erros, amplificamos os nossos medos e frustrações e a nossa visão, já desfocada, se desvia para o que está quieto, fazendo-nos criar problemas onde, muitas vezes, eles não existem.
O movimento que acontece dentro de nós, na nossa mente, no nosso coração, no nosso corpo, é crucial e essencial, pois é ele que define o ritmo em que subimos a escada das nossas vidas. A vida leva-nos sempre onde precisamos de chegar, mas fá-lo melhor quando respeitamos os seus tempos, quando percebemos que, na eterna percepção de que tudo nesta dimensão se desenvolve em ciclos, não há planta que dê fruto sem antes ter sido semente, não há montanha da qual possamos apreciar a vista sem antes a termos subido. Nesse mesmo sentido, nada pode materializar-se nas nossas vidas sem antes ser preparado, activado, alimentado e conceptualizado dentro de nós.
Uma das grandes questões que pauta as nossas vidas e a nossa sociedade actualmente é a importância do exterior, do que é visível, do que pode ser admirado, do que, supostamente, prova perante o mundo o que somos. No entanto, é preciso recordarmo-nos que esse exterior é apenas uma capa, uma máscara pouco real, quando não reflecte um processo interior, uma vivência interna, uma tomada de consciência. Sem trabalho interior, sem um movimento que não é visível nem sequer mensurável, não temos a capacidade de ser e de materializar nas nossas vidas aquilo que realmente somos e pretendemos, não conseguimos ser a manifestação da nossa essência no nosso percurso terreno, somos apenas um fantasma, um espectro, do que poderíamos realmente ser.
O movimento interno é silencioso, focado e preciso, por vezes muito lento, mas sempre muito intenso. Muitas vezes, são precisos anos de trabalho interno para uma manifestação tão sublime e efémera, mas cujo resultado é imensamente precioso, pois reflecte quem somos na beleza mais pura do nosso ser e permite, mais importante até, deixar um legado, gerar sementes, permitindo-nos cumprir o nosso propósito de sermos aperfeiçoadores do mundo que encontrámos quando aqui chegámos e deixarmos bases para que outros, depois de nós, possam fazer o mesmo e ainda melhor.
Leonardo Mansinhos