Uma das facetas mais visíveis da natureza humana é a de esperar algo. Perante uma situação, um percurso, definimos caminhos, objectivos concretos, predispomo-nos a uma determinada meta, mas maior parte das vezes tudo isso fica pelo caminho, esquecido, ou, pior, inalcançável. Sem nos apercebermos, já chegámos à segunda metade do ano e, para muitos, inicia-se um período de descanso, de menor ritmo, que potencia algum tipo de reflexão, aquela que é necessária quando, a meio do percurso, precisamos de entender onde estamos e para onde queremos ir.
Na vida, todos nós, uns mais, outros menos, criamos expectativas, idealizações de um caminho, de um propósito, definindo-as, muitas vezes, ao pormenor. Olhamos para nós e vemos o que temos e o que não temos, criamos uma ideia do que pretendemos e, naturalmente, fechamo-nos nela. Obcecados com essa meta, esquecemo-nos que tudo é um caminho e que, muitas vezes, à medida que vamos dando os passos em direcção a um propósito, compreendemos que existem outras coisas para além daquelas que inicialmente considerámos, apercebemo-nos que os nossos pressupostos de arranque estão diferentes e que, tantas e tantas vezes, aquela meta já não faz sentido.
O ser humano é movido, constantemente, a expectativa, uma idealização cega e fechada de qualquer coisa. Esperamos “aquele” trabalho, “a” relação, o momento perfeito para fazer isto ou aquilo, baseados nas nossas crenças, nas nossas bases de origem, no que nos ensinaram, no que a sociedade, os pais, os amigos, entre outros, também eles, esperam de nós. A cada instante, perante alguém que conhecemos, perante um novo projecto, criamos expectativas e esquecemo-nos que o caminho é tão ou mais importante que o destino, que, às vezes, tudo muda com um simples dado novo, uma coisa mínima que nos faz ver tudo de forma diferente e nos redirecciona.
Invariavelmente, qualquer expectativa dirige-nos a uma frustração, seja ela grande ou pequena, intensa ou suave, mas a realidade é que nada é como nós planeamos, tudo se desenha e constrói de forma natural e plena, dependendo dos nossos passos, das nossas crenças, de tudo o que somos e que vamos trabalhando em nós. Muitas vezes, o que fazemos é moldar-nos, adaptar-nos, resignarmo-nos. Não é o que esperávamos, mas é o “que se pode ter”, e deixamo-nos estar, apagando-nos, anulando-nos, afundando em nós a frustração, tapando-a com uma aceitação vã, com outras expectativas, mudando o foco da nossa atenção. Ao mesmo tempo, amplificando no nosso coração um peso, uma pedra que, um dia, pode parar-nos, bloquear-nos, prender-nos.
Ter objectivos e propósitos, ambição e direcção, é, talvez, das coisas mais importantes da nossa existência terrena. Na verdade, a própria encarnação é, em si, um propósito, uma missão, um caminho, moldado por muitos outros objectivos mais concretos, mais terrenos. Contudo, expectativa não é objectivo ou ambição, é idealização e ilusão, é, como muitas vezes ilustro, fazer uma viagem de comboio sempre a pensar no destino, esquecendo-se que o caminho tem coisas maravilhosas, paisagens, casas e árvores, coisas tão belas que, muitas vezes, são tão importantes quanto o próprio local que queremos chegar. A simples observação desse caminho, apreendendo toda a sua dinâmica e todas as suas dimensões, tantas vezes, muda a nossa disposição, o nosso estado de espírito, mudando a forma como vemos o próprio destino.
Na realidade, a expectativa é uma ilusão, uma forma de estarmos perante aquele ponto da nossa existência, que, invariavelmente, em algum momento, vai cair, não porque o outro lado da questão é mau ou mudou – na verdade, o outro lado sempre foi ele mesmo, eventualmente com mais ou menos maquilhagem, mas sempre igual a si mesmo –, mas sim porque nós escolhemos (ou fomos obrigados) a ser nós mesmos, a largar as nossas máscaras, a enfrentar os nossos desafios. Tal percepção leva-nos a compreender que, na realidade, para além de não precisarmos de criar expectativas, ainda que devamos ter sonhos, objectivos e propósitos, não devemos colocar as “culpas” no outro lado, pois quem se iludiu, sempre, fomos nós. Esta consciência, ainda que, muitas vezes, dura, é libertadora e eleva o nosso ser, transformando-nos e impulsionando-nos para o verdadeiro caminho das nossas vidas. Para tal, como sempre, é apenas preciso sermos nós mesmos, ouvirmos o nosso coração, sermos a nossa própria luz e não vivermos na, também ela, expectativa de que um outro alguém ou uma outra situação, acenda a chama da nossa essência, aquela que só nós podemos alimentar.
Leonardo Mansinhos