Se existe uma verdade sobre a vida é que ela decorre sobre uma permanente mudança, sobre uma constante transformação. Isso é visível através do nosso próprio corpo, que todos os dias se transforma, se renova, que a todo o momento está em processos tão simples, mas tão essenciais para a vida. No entanto, é visível também no mundo que nos rodeia, nas questões exteriores da nossa vida, o que nos leva também a perceber que nada está no nosso verdadeiro controlo, que somos uma amálgama de conexões, de ligações, uma multidimensionalidade de interdependências e de influências que, a todo o momento, com um simples pensamento, podem mudar, mais uma vez, tudo.
Então, perante esta realidade, perante esta mudança tão presente, há uma questão que se impõe, uma questão que, na verdade, se coloca em todas as circunstâncias da nossa vida e que, ela sim, ou melhor, a sua resposta, nos revela o verdadeiro sentido de tudo o que vivemos. Perante esta vivência, é necessário, imperativo, questionarmos o que, afinal, é realmente importante para nós, o que nos está a reger o caminho, o que nos está a orientar o percurso e os passos, e se é isso que realmente queremos valorizar.
Há muitos anos, hoje já não se vê tanto, os miúdos brincavam com piões, aos quais davam um impulso de rotação, e eles faziam o seu percurso por mais ou menos tempo, mais ou menos desengonçados, numa dança prodigiosa e bela. Anos mais tarde, nas aulas de Física, compreendíamos o que se passava com o pião, que ele tinha um eixo gravitacional de rotação, tal como a Terra, que lhe permitia rodar sobre si mesmo, que quando sabíamos dar o impulso da forma correcta, ele mantinha-se direitinho por mais tempo, às vezes de forma tão plena e suave, que parecia que nada se estava a passar e que poderia ficar ali eternamente. Contudo, sabíamos que isso não seria possível, pois a energia se esgotava e o pião, invariavelmente, iria parar.
A percepção do que é realmente importante nas nossas vidas, como o eixo do pião, é o que nos centra, é o que nos dá a capacidade de atravessarmos os nossos caminhos e chegarmos onde necessitamos de chegar. Ainda que o impulso possa ser dado, inicialmente, de forma menos, aparentemente, correcta, se tivermos a consciência, e se formos muito sérios e realistas sobre isso, do que realmente nos está a mover, podemos reequilibrar-nos, reajustar-nos, como tantas vezes víamos o pião que, num início desengonçado, e após alguns movimentos que pareciam que o iam deitar abaixo, ficava centrado e rodava direitinho.
Para isso, é preciso olharmos para a nossa vida e sermos profundamente verdadeiros connosco, compreendermos e aceitarmos o que realmente nos tem movido, pois só assim poderemos, se for o caso, mudar esse eixo que nos rege. Por vezes, pensamos que estamos a caminhar num determinado trilho, movidos por um determinado conjunto de valores e verdades, mas, quando nos debruçamos e olhamos para dentro de nós, quando afastamos o que é externo, o que é “supérfluo” (mesmo quando assim não o aparenta ser), compreendemos que eles são capas e máscaras para outros que não são o reflexo de quem somos, são manifestações de medos, de dúvidas e anseios, sob os quais nos convencemos de serem as soluções perfeitas para o nosso caminho. No entanto, surpreendemo-nos como, constantemente, estamos a tropeçar e a cair.
O verdadeiro eixo das nossas vidas é aquele que está centrado com o nosso propósito, mesmo que dele não tenhamos percepção ou certeza. É aquele que está alinhado com o nosso coração, aquele que nos permite sermos nós mesmos e não outro qualquer, aquele que, qualquer que seja o degrau, a pedra ou a montanha que a vida nos coloca, nos permite subir, ultrapassar e conquistar obstáculos e atingirmos o seu topo. É esta realidade que nos mostra que somos aquilo que em nós alimentamos, na nossa mente, no nosso coração, na nossa alma, e que, se não estiver em sintonia com o nosso espírito, dificilmente encontramos um caminho em que, apesar dos desafios, saberemos rodar com graciosidade sobre a nossa própria vida.
Leonardo Mansinhos