Muitas vezes vejo pessoas, nomeadamente as que começam a ter contacto com conhecimentos e vivências ligadas à espiritualidade e ao esoterismo, dizerem que não se identificam com a sociedade, com a Humanidade, com a vida na Terra. Algumas dizem até, em tom de brincadeira, mas expressando algo muito real e concreto, que estão à espera que a sua nave espacial apareça e as venham buscar para casa.
É muito triste, e até preocupante, tudo o que vivemos, social e humanitariamente, com todas as questões que vemos na internet, nas televisões e jornais, toda a falta de noção e de humanidade que existe neste mundo, como as escolhas, muitas vezes, questionáveis ou até, no entendimento de muitos, incompreensíveis. No entanto, é igualmente triste e preocupante, se não mais até, que muitos, nomeadamente aqueles que mais deveriam mergulhar, pensar e sentir sobre estas questões, talvez até muitos que vão ler estas palavras, se desconectem fortemente da humanidade e do seu percurso, se sintam profundamente desintegrados, não compreendendo que esse desligamento é, também ele, a origem de muito daquilo que criticam e sentem, assim como um enorme “teste espiritual”.
A Terra é a nossa Casa, o nosso Lar nesta encarnação, ela é a Mãe que nos acolhe e nos nutre, que tudo nos dá e nos oferece, não só em termos de condições da matéria, mas também em termos de espaço para podermos contruir-nos enquanto sociedades, enquanto humanidade. Quando nos sentimos desconectados e quando, por nossa iniciativa e reflexão, nos afastamos daquilo que é o mundo em que vivemos, na sua totalidade, estamos também a desligarmo-nos de nós mesmos, pois não estamos a aceitar a plenitude do que é a encarnação.
Acredito que escolhemos o tempo e o espaço em que nascemos, pois esse momento tem todas as condições necessárias para o cumprimento de um propósito de vida, propósito esse que está inserido em dinâmicas maiores, sociais e globais. Não somos apenas um espírito que escolheu uma encarnação terrena, somos, também, parte dum enorme grupo que tem um propósito maior, para o qual a Terra tem todas as condições necessárias e essenciais. Dessa forma, quando deixamos de nos identificar com a sociedade e nos desligamos das suas questões, estamos também a perder o contacto com uma parte de nós, a criar uma cisão interna, espiritual, psicológica e emocional, cujo resultado, invariavelmente, nos leva a questões também físicas.
No fundo, se pensarmos bem, essa é a razão de muitos dos “males” do mundo, a profunda desconexão que, de forma global, promovemos, ao longo de séculos, da nossa essência, das comunidades, das sociedades e do próprio planeta. Então, quando mergulhamos e abraçamos uma via espiritual, com um conjunto de percepções e consciências que adquirimos, se sentimos, vivemos e alimentamos uma desconexão, estamos a manter o mesmo perfil que tem sido desenvolvido, apenas mudando a localização do seu foco, passando-o dum extremo ao outro, mascarando-o com outras cores e roupagens.
Um dos grandes desafios do momento presente, e também um grande teste para cada um de nós, é a compreensão e a aceitação que estamos no local certo e no momento exacto, que escolhemos este tempo porque temos nele um papel, uma missão. Essa tomada de consciência é uma aceitação profunda da nossa encarnação, de estarmos no aqui e no agora, de estarmos presentes e podermos ser presentes. Quando nos retiramos dessa presença, retiramo-nos do próprio propósito de sermos humanos, da noção da nossa individualidade e da diferença que podemos e devemos, cada um de nós à sua maneira, no mundo em que estamos, na comunidade e na sociedade onde estamos inseridos.
Voltarmos ao centro de quem somos e compreendermos que todos os seres neste planeta têm um papel único e especial, individual e essencial, é assumirmos a responsabilidade que a encarnação e a vida terrena nos solicitam. A desconexão da vida abre um espaço que vai ser ocupado pelo medo, pelo receio, por tudo aquilo que é o oposto da humanidade e da liberdade. Isto é válido individualmente, mas também em termos colectivos, e o tempo que estamos a viver está a mostrar-nos esta grande verdade. Cabe a cada um de nós abrir os olhos, fazer a sua parte, cuidar de si, reconhecer a sua beleza, o seu poder, a sua individualidade, e trabalhar, em cada dia, apesar de todas as dificuldades e todos os passos mais duros, todos os momentos desafiadores, para que isso possa ser a realidade e não o desejo, a expectativa ou o sonho.
Leonardo Mansinhos