Os Antigos observavam a Natureza com atenção, devoção e um profundo respeito. Eles sabiam que a Natureza tem uma sabedoria própria, espiritual, em conexão constante com o divino. Então, os Antigos percebiam os sinais, conheciam os ciclos, honravam-nos e viviam numa constante busca de sintonia com o que os rodeava. Eles sabiam que a cada tempo de vida se segue um de morte, e que a cada morte uma vida se sucede, na preservação total e divina do espírito de renovação que a Terra contém em si.
Sempre que um desafio se coloca perante nós, que um obstáculo se põe no nosso caminho, há uma mudança que nos é proposta, uma transformação profunda que, idealmente, nos levará dum estado para outro diferente, mais evoluído e mais luminoso. Contudo, como a Natureza nos mostra, a evolução pede abnegação, pede entrega total daquilo que, para nós, ligado àquele tema, é mais precioso. Não há vida se não houver morte, não há renascimento se não houver uma entrega profunda e consciente de quem somos, em prol do que pretendemos ser.
A morte é um dos processos mais fortes e poderosos na dimensão terrena. Muito mais do que um fim, ela é a chave para a nossa elevação, sendo, por isso, um verdadeiro processo de iniciação que a nossa Alma, no seu caminho, necessita. Temos apenas presente, muitas vezes, a derradeira morte, a do corpo físico, que nos levanta alguns dos maiores medos e questões. No entanto, todos os processos, todas as vivências, até mesmo nós, no mais interior do nosso corpo físico, contêm a codificação da morte como geradora de vida, sabendo que, se ela não existir, há um veneno que nos começa a consumir, que nos destrói, criando feridas, padrões e bloqueios que são muito mais difíceis de curar e muito mais avassaladoras que tudo o que nos era solicitado primariamente.
Muitas vezes pedimos renovação e transformação nas nossas vidas, e até nos entregamos aos caminhos que nos levam até lá. No entanto, há uma etapa muito difícil em todos os processos, a que nos pede que entreguemos aquilo que, perante aquela questão, nos é mais precioso, que nos libertemos de tudo o que, de alguma forma, pertence à matéria, para nos podermos libertar de nós mesmos e ser aquilo que realmente nos propusemos a ser. É apenas dessa forma que podemos mudar, transformar e resgatar a nossa essência. É apenas nessa vivência que podemos renascer.
Nascer de novo para algo implica a morte do que esse algo foi até um determinado momento. No entanto, implica também a entrada num abismo pessoal, a perda duma estrutura conhecida, e tal pode prender-nos numa espécie de labirinto, num inferno pessoal profundo. Em termos práticos e menos metafísicos, é a consciência de que o largar de algo conhecido, como um trabalho, uma relação, uma situação estável, implica um arriscar, implica a vivência da possibilidade de algo correr mal, de, eventualmente, parecer-se que se deita algo a perder. O que muitas vezes esquecemos é que as grandes descobertas e conquistas da história, assim como a nossa própria vida, contêm, nelas mesmas, esta fórmula mágica, a da morte, do fim de algo que era conhecido numa determinada estrutura ou cadência, e o abraçar de algo novo, recomeçando, renascendo.
Quando algo nas nossas vidas necessita de mudança, quando nos apercebemos da necessidade de transformarmos algo, dum certo incómodo, desconforto ou mal estar em relação a algo nas nossas vidas, atingimos um patamar de consciência que nos leva para este profundo e divino processo, o de compreendermos que, na Terra, tudo tem o seu tempo, tudo vive mediante a regra do ciclo finito, da vida que surge, cresce e se eleva, manifestando-se no que se propôs a cumprir, para depois diminuir progressivamente, dando-nos a sua essência como legado, cumprindo-nos de forma superior, deixando nova semente, morrendo numa determinada forma para que possa assumir outra, mais elevada e evoluída. Tal só pode ser feito de coração aberto, centrando nele todo o propósito de uma vivência, de um processo.
Não o fazer nem aceitar é ficar encarcerado numa masmorra construída por nós mesmos, uma prisão do ego e da matéria. Porém, assumi-lo é abrir a nossa consciência a algo maior, é aceitar a Cruz que cada um de nós escolhe como missão de vida, como propósito, e cumprir-se. Assim, abrir o nosso coração ao desconhecido é permitirmo-nos confiar na única estrutura que é sólida, a da nossa escolha de caminho, a do nosso propósito, firmada, registada e timbrada no grande livro do nosso Espírito, depurada em todos os caminhos e processos a que nos propusemos e aos quais necessitamos de nos entregar. É largar o controlo e nos entregarmos, sacrificando o mais precioso que existe em nós para que tal acto faça eco na nossa Alma e ela se possa manifestar, transformando aquilo que necessitamos que seja mudado, curando as feridas, quebrando padrões, resgatando-nos e permitindo-nos renascer, permitindo-nos ressuscitar para viver a nossa verdadeira Vida.
Leonardo Mansinhos