Muitas vezes, no mundo que nos rodeia, mas também, e principalmente, nas nossas vidas, vemos, vivemos e experienciamos situações que nos incomodam, que mexem connosco, que nos fazem sentir impotentes. Com o passar do tempo e sem agirmos perante essas questões, sem elas se modificarem ou, até mesmo, amplificarem-se, os sentimentos que vamos vivendo transformam-se em revolta, raiva e ódio, remetendo-nos para um lugar escuro de nós mesmos.
Se estivermos atentos e formos sinceros connosco, vamos compreender que chegar a esse lado de nós mesmos não só é totalmente desnecessário, como muitas vezes é resultado duma falta de foco e de centro, mas também de falta de acção concreta sobre o assunto. Inúmeras são as vezes em que esperamos que a situação se resolva por ela, que esperamos um factor externo, uma orientação, fomentando em nós a inércia e deixando-nos consumir pela vitimização, até porque ela, mais cedo ou mais tarde, vai aparecer e vai-nos dominar, sem sequer nos apercebermos.
A consciência sobre nós mesmos, sobre os nossos padrões e comportamentos é um dos grandes caminhos que o nosso tempo nos pede, pois é através dele que nos podemos encontrar, que podemos trabalhar sobre nós, que podemos moldar-nos e encaminharmo-nos para o cumprimento do nosso propósito de vida. Esse percurso, feito com muito amor, tolerância e dádiva a nós mesmos, pode ser extraordinário, mas, cada dia mais, ele pede-nos a partilha, o debate, o confronto, não no sentido mais “violento” do termo, mas sim no sentido de sermos capazes de nos mostrar perante o outro, de nos revelarmos, de nos vulnerabilizarmos.
Trabalhando sobre nós, em consciência sobre o que nos rodeia, faz-nos compreender que os comportamentos dos outros são espelhos de algo que em nós necessita de transformação, de cura, de amor. Ao começarmos a fazer esse trabalho torna-se imperativo agirmos em nós, claro, e em primeiro lugar, mas também para fora, para com esse mesmo outro, mediante a consciência que tomámos sobre o assunto, defendendo também as nossas crenças e os nossos valores.
Um dos grandes problemas deste mundo é que defendemos crenças e valores que nos foram incutidos e que considerámos como verdadeiros, sem os passarmos por um trabalho duplo de consciência mental e emocional, sem reflectirmos sobre eles, sem percebermos se eles se enquadravam em quem nós somos e sem os projectarmos para o outro num acto de profundo respeito pela individualidade. Esse defesa cega leva a considerar o outro como estando errado, como sendo o inimigo, levando-nos a atacar o que está “contra” nós. Esse é o motivo de todas as guerras deste mundo, sejam elas de que natureza forem, este é o motivo de todos os comportamentos absurdos e egoístas que vemos e que, todos os dias (e cada vez mais) se revelam.
Trabalhar esses valores e crenças em consciência leva-nos a um caminho de uma visão amorosa, integradora e respeitosa, que faz com que não tenhamos de concordar com o outro, a não ter de defender o mesmo que o outro, mas a mostrar-lhe a nossa visão quando necessário e imperativo, quando isso invade-nos na nossa individualidade, magoa-nos e maltrata-nos. Nesse sentido, torna-se crucial alertar e travar o outro, mostrar-lhe o que estamos a viver e a sentir, o quão maltratados e abusados nos sentimos, não como um ataque, pois isso será contraproducente e criará mais cisão e dor, mais sofrimento, mas sim centrados em nós mesmos, vulnerabilizando-nos e colocando o outro na nossa posição.
Por vezes, tal tem de ser feito de forma veemente, incisiva e dura, tem de ser feito com um corte e uma barreira, sim, pois nem sempre o trabalho do outro está em sintonia com o nosso, nem sempre o outro vai ouvir-nos, nem sempre o outro irá compreender-nos e respeitar-nos, mas isso não significa que nós não o façamos. Na verdade, teremos mesmo de ser diferentes do outro, ou o preço a pagar será tornarmo-nos iguais a ele e transformarmo-nos naquilo que mais abominamos, naquilo que, tantas vezes, juramos que não seremos.
Ter esta consciência e nela agir é elevarmo-nos e aprendermos esta profunda, difícil e essencial tarefa que é ser humano, respeitando tudo o que nos rodeia, começando por nós mesmos. Dessa forma, poderemos, através de nós e do nosso exemplo, plantar sementes, mudar consciências, marcar a diferença e cumprir o papel que nos foi dado nos vários sistemas em que estamos, quer queiramos quer não, inseridos.
Leonardo Mansinhos