Frequentemente usamos a analogia do iceberg para demonstrar que o visível é sempre uma parcela muito pequena do que o realmente existe. Tudo é composto de muito mais do que se vê, todos os caminhos implicam uma preparação, todas as jornadas contêm em si um trabalho interior que nos leva até um objectivo, é verdade, mas que, sem ele, não tem qualquer significado nem cumpre o seu propósito. No entanto, quando falamos do nosso caminho de vida, do propósito que nos trouxe até à Terra e do seu cumprimento, é necessário olharmos para a Mãe Natureza por outra perspectiva para termos uma melhor visão.
A vida lembra-nos que, na verdade, precisamos de ser como uma montanha, e isso é muito mais complexo de visualizar do que pensamos. Olhamos constantemente uma montanha como algo fixo, de certa forma estéril, um pedaço de elevação terrestre que está assim desde que o tempo é tempo, que já assim estava quando nós nascemos e que assim permanecerá depois de morrermos.
Contudo, é preciso recordarmo-nos que uma elevação de terra neste planeta é o resultado de milhares de milhões de anos de modificações, calma e subtis, de ajustamentos milimétricos ao longo dum tempo anterior ao do ser humano, que permitiu, até, a nossa existência. É preciso também recordarmo-nos que é a montanha que acolhe inúmeras espécies de plantas e animais, é o seu habitat, a sua casa, que os protege e os alimenta. Há uma vida imensa no exterior da montanha, sem dúvida, mas que é incomparável com a vida interior.
Sem tudo o que existe no interior da montanha, nada no seu exterior existiria. Sem todos os animais que vivem no seu interior, que trabalham e alimentam a terra, sem todas as raízes de plantas e árvores que nela penetram e dela se alimentam, nada cá fora se veria. Sem toda a água que existe dentro da montanha não existiriam rios e a única água que teríamos seria salgada. É dentro da montanha que existem os minerais e os combustíveis, um mundo gigantesco de riqueza, não pelo valor monetário, que na realidade até é criado pelo que é extraído da terra, mas sim pelo que nos permite evoluir.
Podemos dizer que tal também existe fora da montanha, na planície, e é verdade, mas é preciso relembrar que a montanha não é dissociada do restante terreno, ela faz parte dele, e que, na realidade, nem esse terreno está desconectado, pois faz parte de tudo o que existe também debaixo do mar. Em última instância, mesmo com as divisões das placas, essenciais a uma dinâmica que na Terra é essencial à preservação da existência de vida, há toda uma interligação com tudo o que existe na maior profundeza do nosso planeta. A montanha, no fundo, é o que se destaca, o que se eleva.
É necessário aprendermos a ser como a montanha, ou melhor, a relembrar que todos nós somos montanhas, construídos por vidas e vidas, tempos e tempos. Existimos e manifestamo-nos, elevando a cabeça, a nossa coroa, onde reside a nossa capacidade mental criadora, para os céus, em conexão com o Pai, com tudo o que está para além de nós, e colocando os nossos pés na terra, conectando-nos com tudo o que nos forma, com toda a vida, com todo o cuidado, alimento e vida que a Mãe nos dá.
Somos montanhas quando nos recordamos do divino em nós e compreendemos que existe uma plenitude em tudo o que existe em nós, interior e exteriormente, em todos os planos da nossa consciência, na integração também com um mundo divino, o do nosso espírito. Somos montanhas quando nos permitimos elevar-nos e moldar-nos, compreendendo-nos sólidos na nossa construção, na nossa base, férteis no nosso interior, criadores em tudo o que somos e nos permitimos manifestar.
É essa consciência, esse foco interno, o voltar ao nosso centro, compreendendo a nossa conexão com tudo o que existe, mas manifestando a nossa unicidade, até porque não há nenhuma montanha igual a outra, que nos permite ver algo ainda superior e especial. Quando nos reconhecemos desta forma, percebemos que somos poderosos, que podem vir as intempéries mais violentas, os fogos mais devastadores, até mesmo um tsunami, que não retirará a nossa essência. Poderá moldar-nos, modificar até uma parte de nós, quebrar algo, destruir temporariamente, mas o fio que a tudo nos liga irá trazer-nos nova vida, numa forma talvez diferente, é verdade, mas, muitas vezes, até com mais força.
A montanha, como nós, é a materialização de todos os elementos, a manifestação de uma essência. É esta consciência que nos dá a capacidade de nos tornarmos unos em nós, mas plenos na ligação com tudo o que nos envolve, de nos movermos e moldar-nos num tempo certo, sem resistências desnecessárias, compreendendo que tudo tem um tempo e um espaço, uma magia, deixando a nossa centelha revelar-se, mostrar-se, através da nossa capacidade de gerar vida, não só uma vida exterior, mas uma vida divina, criativa e criadora. Quando descobrimos que somos montanhas, em tudo o que isso representa e significa, temos a capacidade de celebrar de forma plena, em todos os tempos e momentos, todas as questões e situações, pois reconhecemos que tudo é parte de um caminho, de um propósito, tudo é vida em nós.
Leonardo Mansinhos