Nas nossas vidas, seja de forma global ou em situações específicas, procuramos muitas vezes um caminho, uma direcção, uma orientação. Maior parte das vezes, na verdade, não buscamos um mapa orientador, mas sim uma espécie de GPS que nos dá cada passo sem errar. Isto é a manifestação de mecanismos de controlo que fazem parte da nossa existência terrena, mas que, na realidade, são limitadores do revelar profundo de todo o nosso potencial, pois o que eles nos dão está apenas contido na nossa zona de conforto, não nos deixando margem de descoberta.
A escolha de um caminho, muitas vezes, passa pela criação, a cada passo, desse trilho, o que implica a entrada no desconhecido, a entrega a uma vivência constante, presente, no agora de tudo o que somos e de tudo o que pretendemos ser, mesmo que tal não seja claro nem sequer visível. Quando não o fazemos, estamos apenas a usar pedaços de caminhos já conhecidos para continuarmos a caminhar, na ilusão de que é algo novo, de que agora estamos a fazer bem.
Por natureza, criamos dentro daquilo que conhecemos e inovamos quando nos permitimos pegar no que conhecemos e fazer misturas que, à partida, não estavam previstas. Isso leva-nos a trazer algo que, de certa forma, é novo, pois tem umas cores diferentes e umas roupagens renovadas, mas que não passa duma ilusão. Por isso, mais cedo ou mais tarde, voltamos a um padrão e vemos as situações a ganharem os mesmos contornos.
Criar algo único não é sair da nossa zona de conforto, mas sim revelar algo divino em nós, quebrando as amarras da matéria e indo para além daquilo que é o conhecido, o palpável, o que, de certa forma, controlamos. É apenas quando nos permitimos ir além de nós mesmos que trazemos verdadeiramente a nossa essência e criamos, que moldamos o barro e lhe damos um sopro de vida, uma Alma. Nesse momento, perante a nossa criação, partilhamos uma parcela de nós e nela acendemos uma luz com a nossa própria fagulha divina. Nesse momento, somos esse pedaço de Deus, da Fonte, na Terra e reconhecemo-nos nessa beleza que é a sua imagem e semelhança.
Quando estamos neste plano, que implica a vivência na densidade da matéria, este criar é fazer uma dádiva que implica libertação, desapego e uma profunda entrega, e tal deriva para um medo presente em todos nós, o do vazio, o da perda de valor, o da percepção de que o que esteve para trás foi um desperdício. No entanto, é quando compreendemos que cada passo foi dado com a sabedoria que tínhamos no momento que percebemos também que tudo está sempre, quando estamos de coração, no lugar certo e no momento exacto. Desta forma, entendemos que tudo tem um propósito que nos orienta para o ponto onde estamos hoje, que nos dá matéria-prima para criarmos, verdadeiramente, o chão que iremos pisar de seguida.
Esta consciência implica confiança, não em algo superior, mas sim em nós mesmos, pede uma entrega profunda e uma dádiva em amor, não aos outros, mas a nós mesmos, pede um resgate da nossa essência. Ao fazê-lo, necessitamos também de compreender que este caminho, ainda que único, não é feito de forma isolada, e que, por isso, é preciso aprender a receber aquilo que ele tem para nos dar, o amor que nos é oferecido, o auxílio que nos é estendido, de coração aberto, em profunda gratidão.
Se tivermos o tal GPS, e dele dependermos, criamos a ilusão de que não necessitamos de nada nem de ninguém, que cumprir esse caminho nos torna vitoriosos na nossa demanda, quando, na verdade, apenas chegámos a um destino, sem nada sobre ele aprender. Veja-se que, se tivermos de ir para algum lado e não conhecermos o caminho, vamos ligar o GPS e ouvir as suas orientações. No entanto, como nunca fizemos esse caminho, precisamos de estar atentos ao GPS e seguir cada instrução à risca, ou nos perderemos. O resultado disso é que iremos chegar ao local, sem dúvida, mas não aproveitaremos do caminho, não veremos as suas paisagens, não tomaremos atenção ao que lá existe.
Podemos e devemos ter esse orientador, mas apenas com a consciência de que ele é mais uma ferramenta que nos permite criar, que nos dá o poder de escolher como pretendemos concretizar a nossa jornada. Isso implica trabalharmos muitos dos nossos mecanismos de controlo, dos nossos medos, abrindo o coração para receber o que aquele momento nos dá, com responsabilidade, sim, mas em consciência, e isso significa que não ficamos presos a autoexigência desnecessária, a perfeccionismos descabidos e ampliados. No fundo, tal implica compreender que a criação de algo, inclusive dos nossos caminhos, projectos e vivências, tem duas grandes parcelas que sempre precisam de ser integradas.
Se, por um lado, o nosso poder, a nossa escolha, a nossa dádiva, o lado mais consciente e concreto, aquilo que está totalmente nas nossas mãos, são uma parte importante, crucial mesmo, de tudo o que é criado por nós, por outro, há o que está para lá de nós, que não podemos nem conseguimos controlar, que precisamos de receber como dádiva e dela fazer o melhor. Na vida, na Natureza, em tudo o que existe à nossa volta, este é o processo que rege a criação, estas são as premissas da libertação do potencial da vida, e quando a elas nos entregamos, compreendemos que, verdadeiramente, somos criadores, não porque fizemos tudo, do início ao fim, mas sim porque trouxemos o melhor de nós em cada momento e com o que nos foi dado fizemos tudo o que sabíamos, de coração, criando, assim, o mais perfeito que, ali, era possível.
Leonardo Mansinhos