Chegamos aos três dias mais representativos desta época de Páscoa, os dias que nos trazem a vivência da Paixão, a morte e o renascimento, a redenção, o cumprimento e a celebração da Vida. Hoje, no tempo que vivemos, mais do que nunca, precisamos de mergulhar dentro de nós e dentro do profundo sentido desta época, compreendendo que ela ultrapassa o simples sentido religioso, tocando a verdadeira dimensão divina deste tempo, abraçando o seu propósito.
A Páscoa é o tempo da entrega profunda do nosso ser, de forma a podermos morrer em quem fomos e renascer para a Vida, para aquilo que verdadeiramente nos propusemos a ser. A Páscoa é a Passagem, o Caminho da Paixão, a viagem entre o ponto em que estamos até às profundezas do nosso lado mais sombrio, a dor mais intensa da matéria, da carne, a morte para aquilo que nos prende e não nos permite atingir o melhor de nós, e o resgate de nós mesmos, em direcção à enorme dimensão do nosso Espírito, a nossa Luz.
Em cada ciclo da Terra à volta do Sol, há um momento em que necessitamos de nos relembrar que a vida não é a vitória sobre a morte, mas sim um entrelaçar constante de consciências que nos mostram que uma não pode existir sem a outra, que ambas se constroem na continuidade do tempo. Neste tempo, em que a Páscoa nos chega, recordando-nos do sacrifício de Jesus para a libertação da humanidade, assim como a passagem do Anjo da Morte que libertou os Judeus da escravidão do Egipto, é-nos mostrado que a Vida implica essa transformação constante e profunda, esse abrir de coração doloroso, mas libertador, essa resignação, essa entrega incondicional.
Nestes dias da Páscoa, simbolicamente, a Lua, símbolo da Alma, da nossa profundidade inconsciente, da Mãe, transita entre os signos de Escorpião e Sagitário, mostrando-nos que é preciso entregarmo-nos à vivência mais profunda da dor, da morte, para nos resgatarmos para a verdadeira vida. No fundo, como Maria, acompanhando o seu filho na via dolorosa, assistindo à sua morte, em profunda aceitação do sofrimento de ver o propósito maior de Jesus, no seu caminho para o Cristo, a ser cumprido, ou como cada mãe do Egipto, em sofrimento profundo perante a morte do seu primogénito, resultado da intransigência e da falta de humanidade do Faraó.
Este é o caminho que nos leva em retorno à Luz, ao cumprimento do nosso Ser, e por isso a Páscoa é este movimento interno, este mergulhar consciente na sombra que nos habita para aceder e resgatar a Centelha que existe em cada um de nós. Este é o tempo da reflexão, da aceitação do caminho, de forma resignada, sim, mas não em anulação do nosso Eu. Pelo contrário, é aqui que nos é pedido que assumamos o nosso Eu, e é quando o fazemos que compreendemos que é morrendo que se renasce, que se vive a verdadeira Vida, como nos diz a oração de São Francisco de Assis.
Nesta Páscoa, que cada um de nós possa olhar para si mesmo e, da mesma forma, olhar para o mundo em que vivemos. Que, assim, possamos entregar-nos à transformação que nos está a ser pedida, às mudanças evidenciadas por tudo o que estamos a viver, urgentes e inultrapassáveis. Que possamos emergir da sombra da prisão da matéria em que temos vivido na Terra, agarrados à ganância, à necessidade de poder desmesurado, presos à densidade da matéria, tornando-nos escravos dela, destruindo a nossa Terra e, sem sequer nos apercebermos, destruindo-nos a nós mesmos. Que neste caminho sagrado possamos elevarmo-nos na Luz do Nosso Espírito, entendendo que estamos na matéria, sim, que necessitamos dela para cumprir o propósito que nos trouxe à Terra, que nela podemos crescer e florescer, superarmo-nos em cada instante, sermos tudo aquilo que nos propusemos, mas em profundo respeito, amor e dádiva, em profunda humanidade.
Feliz Páscoa!
Leonardo Mansinhos