Num curto, muito curto espaço de tempo, alguns pontos da forma como as nossas vidas se processam mudaram. A vida, o Universo, o que lhe quisermos chamar, provou-nos mais uma vez que pouco ou nada controlamos, que, ainda que exista uma ordem extraordinária, matematicamente calculável, por vezes, ela coabita com um certo caos que, na verdade, revela-se essencial à existência e, acima de tudo, à nossa evolução. No entanto, o ser humano, desconectado da sua origem e fonte divinas, continua ainda muito preso às estruturas da matéria, o que o leva a tentar ter todos os factores numa determinada ordem que considera correcta, a viver na profunda ilusão de que tem um efectivo controlo sobre o seu próprio mundo.
A vida e o mundo estão em plena e necessária mudança, algumas das estruturas que considerávamos intactas e imutáveis estão em queda, em ruptura, mostrando o seu interior podre e desajustado. Ainda assim, muitos de nós insistem em tentar aguentar tudo, em voltar a uma espécie de normalidade, como numa imagem que circula pela internet dum pilar numa garagem, partido, colado com fita cola.
A mudança é assustadora, mesmo para aqueles que dizem e proclamam que gostam de mudar. A mudança é das coisas mais naturais da nossa existência, mas, ao mesmo tempo, uma das mais incómodas vivências, pois ela implica um conjunto de processos com os quais temos dificuldade em lidar. A mudança mostra-nos os nossos medos, as nossas falhas, as nossas questões a trabalhar. A mudança solicita-nos transformação, mas nem sempre para ela caminha, e isso torna-se um problema ainda maior que a própria mudança.
Quando paramos para olhar para os nossos processos, e isso é o que nos tem sido pedido, de forma global, mas também individualmente, compreendemos que, na vida, nada do que se parte ou do que nos é retirado era verdadeiramente essencial ou insubstituível. Na verdade, muitas vezes, essas mesmas perdas e quebras, mesmo aquelas que são tão dolorosas e profundas, como uma vida humana que nos é querida, são os grandes impulsionadores das nossas transformações, como alavancas tão poderosas que despoletam processos que mais nada conseguiria despoletar. Se é fácil de viver tal processo? Claro que não! No entanto, também não acredito que algo exista só por um simples acaso ou por uma espécie de embirração de algo ou alguém “lá em cima”.
A mudança pede transformação, pois sem esse processo não podemos crescer e evoluir. Se a mudança é um processo que podemos ligar a uma dimensão mental do nosso ser, que nos pede uma visão das questões e dos processos, a transformação, por sua vez, conecta-se com a nossa vivência emocional, pois solicita-nos um mergulhar nessas mesmas questões. No entanto, os dois juntos, integrados, permitem-nos viver a transmutação, o grande e verdadeiro motor da nossa evolução. É nesta vibração que conseguimos transcender a matéria e verdadeiramente integrar tudo o que a vida nos dá, desde os primórdios da nossa existência até ao momento presente, projectando essa energia para tudo o que somos e seremos, nesta vida e em todo o caminho que a eternidade dos tempos nos apresenta.
Quando as mudanças que nos rodeiam nos levam a viver um processo de transformação, há, invariavelmente, uma questão que nos é colocada: afinal, no meio de tudo, o que é que é realmente importante, o que verdadeiramente é fulcral na nossa existência? Esta é uma pergunta que não pode ser respondida apenas com a cabeça, mas também não o pode ser apenas pelo coração. A resposta, na verdade, tem de ser um trabalho profundo e consciente, uma união dessas duas parcelas do nosso ser, projectadas para o nosso próprio corpo físico. Algo só é verdadeiramente importante quando mexe com todas as parcelas do nosso ser, quando nos faz vibrar, quando nos faz sentir vivos.
É claro que há coisas que pertencem à nossa realidade que são importantes, que, de certa forma, são essenciais, mas que precisam de ser vividas conscientemente. Dinheiro, um trabalho, uma casa, um automóvel, até algumas pessoas, claro que são importantes, mas se não os vivermos conscientemente corremos o risco de nos tornamos seus escravos, pois permitimo-nos deixar de ser nós mesmos para as preservar ou manter quando, na verdade, algumas delas precisam mesmo de ir embora das nossas vidas. Muitas vezes não percebemos que a nossa vida é como um quarto que temos na nossa casa, no qual pretendemos mudar a mobília, em que é preciso tirar a antiga para colocarmos a nova. Se não o fizermos, ou não vai caber, ou toda a dimensão do quarto vai ficar atolada. Da mesma forma, não podemos querer coisas boas nas nossas vidas, que nos vão fazer crescer e evoluir, se ainda mantivermos em nós as que já não nos servem, que nos atrasam e nos densificam. Como saber o que é o quê? Observar com a mente, permitir o coração falar, sentir na totalidade que é o nosso ser.
Afinal, o que é realmente importante? Essa é a pergunta que os tempos que vivemos nos colocam, que é uma forma diferente de questionar, como dizia o Mestre, onde estamos a construir a nossa Casa ou, ainda de outra forma, quais são os verdadeiros pilares da nossa Vida, quais os valores que nos regem e que nos orientam. Quando o caos se instala, quando a mudança se precipita, algo que é necessário e essencial para a humanidade se transformar, a única coisa que permanece são essas traves mestras do nosso ser, alicerces que, quando bem colocados, são como o bambu, até podem vergar, mas não quebram com assim tanta facilidade.
Quando os valores que nos regem são os da matéria, das posses e dos apegos, das dependências e carências, das mágoas que carregamos e das faltas de perdão que infligimos como feridas nos nossos corações, a nossa casa é construída sobre a areia, a nossa árvore não tem raízes sólidas, e, assim, basta um simples vento, e tudo se desmorona. Talvez, daqui a uns tempos, como outras coisas nas nossas vidas, como outros processos que a humanidade viveu, olharemos para tudo isto e veremos duma outra forma, se calhar até mais leve, com toda a certeza diferente, o que não invalida as dificuldades e as dores que estão a ser vividas hoje, mas que lhe dão uma outra dimensão, a da transformação e da transmutação.
Quando os nossos alicerces são o amor e o respeito, a nós mesmos e ao próximo, quando são a dádiva e a entrega, de forma consciente e conectada, integrados com a responsabilidade e o compromisso, permitimo-nos ser nós mesmos, mostramo-nos e revelamo-nos, projectando-nos para o mundo em que estamos inseridos de forma única e especial. É verdade que nem todos vão perceber (se calhar, na verdade, nem os que acham que estão a perceber algo), quem nem todos irão mudar uma vírgula do que foram, que muitos irão passar por tudo isto sem retirarem nenhum ensinamento, ansiosos por voltar à “normalidade”, que muitos também viram as suas ilusões caírem de que um mundo melhor estava, finalmente, ao alcance com todo este processo e que iríamos todos despertar e ficar bem. Contudo, também é verdade que o sol, ao nascer, não nos dá mais do que simples e sublimes raios, que pouco iluminam e que no princípio, a frondosa e gigantesca árvore nada mais era do que uma pequenina e frágil semente, e isso significa que tudo começa com um pequenino toque, um leve impulso, uma simples existência.
Independentemente do que estivermos a viver e do caminho que estejamos a fazer, é em amor e respeito que os nossos passos devem ser dados, pois nada mais é importante do que isso. É com fé e entrega que o nosso trilho se torna sólido e nos encaminha para um bom destino. É com uma enorme humildade e aceitação que necessitamos de olhar para nós e para os outros, pois, da mesma forma que podemos achar que o seu caminho está errado, também eles podem olhar para o nosso da mesma forma e, quem sabe, em alguns pontos eles também podem estar certos. Nestes tempos, as fronteiras são ténues e, por vezes, enganadoras, mas se cada um de nós compreender, sentir e viver em si mesmo o que é verdadeiramente, então fará o caminho que necessita de fazer, não fará outro que não o seu mesmo e, em última instância, cada um é responsável apenas e unicamente por isso.
Leonardo Mansinhos
Gratidão imensa pela partilha meu caro 🙏 Grata por palavras tão verdadeiras e sentidas.
Gratidão Gratidão Gratidão 🙏