Em muitas coisas na vida aqui na Terra procuramos no mundo exterior aquilo que apenas dentro de nós pode ser encontrado. Como em tantas outras coisas, buscamos à nossa volta uma serenidade, de forma a podermos vivê-la dentro de nós. Nesse sentido, esforçamo-nos para colocar tudo num lugar que achamos correcto, controlamos todos os factores para que corram daquela maneira certinha para nos sentirmos, supostamente, alinhados com a vida. Frequentemente, conseguimos ter a ilusão de ir pondo as tais peças nos seus (consideramos nós) lugares certos e em nós um vazio assola-nos e a serenidade que fazia sentido de existir transforma-se numa enorme tempestade.
Como a felicidade, a serenidade não é um objectivo ou um propósito de vida, mas sim um caminho, uma forma de estar, um mote de vida, permeável a flutuações e a passos ao lado, a dúvidas e receios, que nos obriga, constantemente, a trabalhar o seu oposto. É nela que conseguimos encontrar a nossa essência e ouvir a nossa voz interior. É através dela que os caminhos se clarificam e se revelam. No entanto, encontrar esse extraordinário ponto que ela representa é, muitas vezes, um enorme desafio, uma gigantesca e titânica tarefa.
Moldamos a nossa vida ao mundo que nos rodeia, tentando encontrar através dele coisas que procuramos viver. Temos em nós sonhos e desejos, vontades que são sementes plantadas pelo nosso Espírito no terreno fértil da nossa Alma, que urgem por serem materializados através do nosso corpo. Sentimos essa força dentro de nós, essa voz que nos chama, mas os nossos medos bloqueiam-nos, o nosso ego, na sua função tão importante de nos preservar, levanta-nos barreiras, tudo porque deixámos de alimentar o nosso ser com amor, com esperança e fé.
Assim, esperamos pelo momento certo para cumprir esses sonhos e projectos. Esperamos ter mais uns anos, esperamos uma suposta estabilidade financeira ou profissional, esperamos que os miúdos cresçam, esperamos depois a reforma. Esperamos, mas não temos Esperança. Esperamos por medo de quebrar uma determinada estrutura, embrutecemo-nos no nosso caminho, criando barreiras de pedra à volta do nosso coração, e um dia é tarde, um dia já não dá e enganamo-nos a nós mesmos, convencendo-nos que não era para ser, que não estava escrito nas estrelas, que fica para a próxima. Sem praticamente nos apercebermos, mergulhamos num mar cuja profundidade está muito revolta, mas a superfície parece tão calma, que está pronto a galgar a terra e destruir tudo à sua passagem.
A serenidade não é um objectivo ou uma espécie de Santo Graal que está reservado aos puros de espírito, não é uma busca exterior, mas sim um mergulhar profundo dentro de nós, ao centro do nosso ser, ao nosso coração. Ela pede um olhar atento ao mundo que nos rodeia, compreendendo que ele só nos influencia na medida em que o permitimos, que ainda que vivamos e tenhamos que nele viver para cumprir o nosso propósito, não é ele que nos define, mas sim o contrário. É com essa consciência que temos a capacidade de compreender que não podemos esperar que o mundo se acalme e se oriente para que possamos estar bem e que, na verdade, temos de aprender a encontrar a nossa própria serenidade no meio do turbilhão, como a pequenina planta que rompe a terra ardida e revela o seu verde e a sua vida no meio da destruição e da morte.
Tudo o que vemos no mundo, as guerras, as fomes, as doenças e toda a destruição, são reflexo do que está acumulado dentro da humanidade como um todo, das frustrações, dos medos e dos receios, do turbilhão de emoções que temos vindo a controlar por causa da necessidade de poder, de dinheiro, de posses. Traduzimos as guerras, tantas vezes silenciosas, que se vivem dentro de nós para o mundo, alimentamo-las constantemente com atitudes contrárias à nossa luz e à nossa Alma, para depois continuarmos a viver as frustrações e a dor de tudo o que nos rodeia, num ciclo infindável de autocomiseração e revolta. Não o compreendemos, mas, na verdade, a transformação e a mudança residem dentro de cada um de nós, pois somos todos peças de um puzzle e, se cada um fizer a sua parte, começamos a construir algo diferente, pois foi também assim que o mundo em que vivemos foi formado.
A busca pela serenidade é uma aprendizagem, um percurso de mestria constante que a Terra nos oferece. Para a ela chegarmos precisamos de integrar a resignação e a aceitação do que não podemos mudar, assim como a coragem para agir e transformar o que está verdadeiramente nas nossas mãos. É também nesse caminho, quando mergulhamos no nosso ser, quando nos ouvimos em tudo o que reside dentro de nós, nas dores, nas mágoas, nas feridas e nas raivas, quando nos permitimos dar voz a essas guerras internas e nos damos amor, colo e aceitação, que começamos a activar a nossa cura e encontramos uma profunda serenidade. É nesse momento que vibramos uma paz interior que nos permite ver o mundo ao nosso redor de forma diferente e, se assim quisermos e a isso nos propusermos, tocar os corações daqueles que nos rodeiam, sem obrigação nem fundamentalismo, sem evangelização cega e desproporcionada, apenas doando-nos e aceitando o caminho de cada um.
Tudo isto parece uma espécie de utopia, nomeadamente nos tempos que vivemos, tão densos, profundo e pesados, mas a verdade é que foi dessa mesma forma, ainda que na polaridade inversa, a do medo, da revolta, da falta de compreensão e aceitação, que o mundo em que vivemos se construiu. É verdade que o caminho que temos pela frente ainda tem muitos percalços, degraus e obstáculos, como também incertezas e dúvidas. É preciso, por isso, percebermos que se foi neste tempo que escolhemos estar e viver, então é porque cada um de nós tem em si um papel único e especial.
Os grandes marinheiros não se revelam em águas calmas, mas sim em mares turbulentos, onde a serenidade é pedra basilar para suportar a intempérie. Quanto mais revolto o mar está, maior é a necessidade de estar sereno e em paz, mesmo quando o coração bate tão forte que parece que vai saltar do peito, mesmo quando o sangue a ferver percorre velozmente o corpo, tudo isso é apenas o instinto a funcionar, a força e a coragem a revelar-se, e elas não são antagónicas ou contrárias a esse estado divino que é a serenidade.
Leonardo Mansinhos
Pura verdade.