Por vezes o tempo parece passar muito depressa, enquanto que noutros parece demorar uma eternidade o contar dos minutos e segundos. Tudo o que temos vivido, no espaço destes poucos meses, por ser tão profundo e tão intenso, tão concentrado e tão exigente, parece pertencente a um longo tempo, a uma longa provação. Contudo, na verdade, passou pouco tempo, muito menos que muitas situações que vivemos e aceitamos nas nossas vidas, muito menos que questões que protelamos e arrastamos, na esperança de que se resolvam por elas mesmas ou que, talvez, por artes mágicas, mudem.
Habituamo-nos com muita facilidade às coisas más, a um sabor amargo, a uma dor, de tal forma que quando uma solução ou um caminho alternativo nos é apresentado, o veneno que nos consumiu a força, a esperança e a fé, as crenças limitadoras que nos foram colocadas, a culpa que nos foi incutida, fazem-nos crer que não é possível ou que não merecemos, que é muito difícil de lá chegar. Nesse momento, esquecemo-nos que muito mais difícil é viver naquela dor, naquele lugar escuro e denso do nosso ser, no sofrimento que nos percorre o ser em cada segundo, do que movermo-nos, do que lutarmos, do que nos erguermos e impormo-nos a uma espécie de fado ou de vaticínio que acreditamos ser o nosso caminho.
Os tempos mais duros e desafiadores são aqueles que nos pedem para olharmos para dentro, duma forma mais consciente e profunda, mitigando o medo de vermos aquilo que há muito sabemos que reside dentro de nós, dentro do nosso coração, que foi empurrado e escondido, mesmo sem percebermos. O mundo que nos rodeia, a forma como o vemos, como o vivemos, reflecte o que existe dentro de nós. Essa é uma das grandes premissas desta dimensão que vivemos e, em especial, do momento que estamos a passar, em que tanto mexe connosco, em que tantos sentimentos e emoções nos são activados.
Nunca, como neste tempo, a consciência da multidimensionalidade envolve-nos e coloca-nos face a face com tudo o que precisamos de ver. Ao, de forma global, estarmos mais fechados, mais condicionados, somos levados a confrontarmo-nos com as nossas próprias prisões e medos, com todos os monstros que nos perseguem, não só os nossos como também aqueles que herdámos. O medo absorve-nos e tolhe-nos a noção do que realmente estamos a viver, e o que vemos, reflexo de anos de apologia da competição, da conquista, do materialismo, é o ego a gritar, é um foco generalizado de individualismo e de egocentrismo, uma falta de compreensão de que existimos em comunidade, em sociedade, e que sem ela, sem a respeitarmos e sem a preservarmos, pomos em causa a nossa própria sobrevivência.
É preciso olharmos para o mundo que nos rodeia, da mesma forma que é preciso olharmos para dentro de nós, pois o espelho que este tempo nos oferece é uma dádiva única e insubstituível, que nos permite vermos tudo o que precisa de ser trabalhado e curado, mas que também nos dá a profunda visão dos nossos dons, da nossa beleza, da nossa força, da nossa vida. Sim, parece que o que estamos a viver não tem fim. Sim, estamos todos cansados e desgastados, deixando-nos contaminar por qualquer coisa que nos promete uma suposta liberdade. É mais fácil acreditar que é tudo culpa exterior, duma qualquer organização ou dum qualquer esquema, do que olharmos para nós, para a nossa responsabilidade perante a nossa vida, perante o que está ao nosso alcance, perante o que está nas nossas mãos.
O que o mundo de hoje nos revela é a visão duma humanidade profundamente doente, em que fortes e agressivas metástases adensam uma situação que, por si só, já é bastante difícil, que urge por um tratamento, por uma cura, que só pode ser feita através duma enorme purga, não de vidas, mas sim de consciências, de maneiras de estar, de formas de ser. A Terra, o nosso planeta, as sociedades, reflectem-nos tudo o que está latente dentro de nós e a visão que dela temos é, ao mesmo tempo, um reflexo da forma como nos vemos. Não precisamos de provas nem de nos tentar convencer desta ideia, basta termos a audácia e a humildade de olharmos para nós, de pararmos e de sermos sinceros connosco e facilmente a veremos.
Se é verdade que as trevas se espalham com muita rapidez, que a maldade e o medo contaminam com grande velocidade, também é certo que mesmo nos lugares mais sombrios existe sempre a possibilidade de uma fagulha, uma ponta de luz escondida e que, ainda que muito fraquinha, só necessita de ser acesa e elevada o mais alto possível, como um grito de alerta, como um farol para que outros a possam ver. É assim que, lentamente, a luz se instala e se espalha, tornando-se, quando dela cuidamos e quando a alimentamos, cada dia mais forte, transformando todas as sombras.
Leonardo Mansinhos