Temos por costume dizer que, depois duma tempestade, vem sempre a bonança. Isso recorda-nos que tudo é efémero aqui na Terra, que tudo passa e nada fica para uma qualquer eternidade, e que tal é verdade para as várias “tempestades”, mas também para as “bonanças” da vida. Não podemos ficar presos a um lado ou ao outro, não podemos ficar apenas nas coisas más ou nas coisas boas, pois isso dirige-nos à destruição ou à estagnação e a, em qualquer um dos casos, nos perdermos no nosso caminho.
Vivemos na matéria, e ela tem densidade. Quando pegamos em algo, sentimos a sua estrutura, o que lhe dá consistência e estabilidade. Da mesma forma, quando vimos a este plano, a esta vida, num corpo físico, procuramos, instintivamente, manter e preservar uma estrutura e uma estabilidade que nos dão uma aparente segurança. Procuramos um trabalho estável e seguro, que nos dê um bom salário, um parceiro ou uma parceira com quem possamos ficar até ao final da nossa vida, uma casa, assim como tantas outras coisas que são para nós pedras basilares do nosso caminho.
Até aqui, nada de mal, nada de errado, pois se estamos na Terra, se viemos a este planeta, não foi para sofrermos, mas sim para prosperarmos, para crescermos e nos desenvolvermos. Contudo, o que muitas vezes nos passa ao lado é que na Terra tudo está em movimento e em transformação constantes. A própria estrutura do planeta, as terras e os mares, nada é imutável, tudo se vai transformando numa velocidade muito própria, lenta, mas constante.
Nesta perspectiva, podemos compreender que quando buscamos coisas que queremos que se mantenham, que “fiquem” nas nossas vidas, estamos a criar um ponto de tensão que vai fazer com que algo, mais cedo ou mais tarde, se quebre. No fundo, é como um prédio numa zona sísmica que tem fundações e estruturas excessivamente fixas, e que com pequeninos abalos, um após o outro, vai quebrando, até que um dia acaba por cair.
Viemos à Terra para viver em prosperidade, em desenvolvimento, mas se mantemos algo imutável nas nossas vidas, acabamos por cristalizar, por perder o potencial que cada situação nas nossas vidas nos oferece. Muitas vezes procuramos algo que idealizamos, que é profundamente importante para nós, num determinado momento, que quando encontramos, quando atingimos esse objectivo, esse propósito, queremos mantê-lo para “sempre”, sem sequer saber muito bem o que isso é.
Ao fim de algum tempo que cuidamos, que “idolatramos” essa mesma questão, todo o entusiasmo do início vai acalmando, o fogo vai diminuindo e apagando-se. Tomamos como garantido e acabamos por nos esquecer de alimentar, de cuidar, até que um dia olhamos e nem sequer reconhecemos, pois não evoluiu, ficou parado no tempo, já não faz parte de quem nós somos. Nesse momento, sentimos que voltámos atrás, activamos a vítima em nós e mecanismos de defesa, sem compreender que, na realidade, o único problema foi que nos esquecemos de viver.
Nada do que está bem e alinhado com o nosso propósito é retirado das nossas vidas. Tudo o que está devidamente enraizado, sempre se mantém, sempre permanece, mas tudo o que não está em sintonia com o nosso caminho, mais cedo ou mais tarde, tem de ser retirado, pois se tal não acontecer, somos como uma bela planta que acaba por morrer porque as ervas daninhas à sua volta consumiram todos os nutrientes da terra e a asfixiaram. Quando estamos atentos à nossa vida, quando cuidamos de nós e do nosso caminho, vamos compreendendo as mudanças, as subtilezas, vamo-nos apercebendo do que está bem e do que está mal, vamos crescendo com o que existe nas nossas vidas e não ficamos presos.
Tudo nas nossas vidas precisa de movimento, essa é a verdadeira regra de funcionamento das coisas na matéria. Nada está estático, parado ou imutável, tudo se movimenta, tudo está em perfeita evolução e ela implica a morte e o renascimento, a transformação constante. Tudo o que está em sintonia com as nossas vidas, não fica nem está fixo, simplesmente permanece, e esta é a grande diferença, a enorme compreensão que conseguimos obter quando nos tornamos observadores da nossa vida.
Permanecer não é cristalizar nem sequer ficar de forma fixa nalguma coisa, bem pelo contrário. Permanecer implica que, independentemente dos movimentos, independentemente das provações, há uma persistência, há uma resistência, não por cristalização, mas sim por ajuste, por sintonia, por verdadeira conexão. Isso significa que as raízes estão fortes e sólidas, que a planta cresce com vida, que, perante uma tempestade, a planta pode vergar, até quebrar, mas não morrerá, manter-se-á, crescerá depois mais forte e mais viçosa.
O mesmo se passa em tudo nas nossas vidas. Quando olhamos e cuidamos de nós, quando nos colocamos em primeiro lugar, compreendemos que o que permanece é o que alimentamos, é o que nos faz verdadeiramente crescer e evoluir. O que permanece está em sintonia, sustenta o nosso caminho, eleva-nos e ilumina-nos, não nos consome, não nos prende nem nos atrasa, permite-nos ser e não apenas existir. Para tal, precisamos de estar em observação de nós mesmos, do nosso percurso, compreendendo o que é preciso largar, o que já não pertence, alimentando o nosso coração com a coragem de mudar, de nos desapegarmos. Esta é a tarefa mais dura, pois ela implica limpar e curar feridas, trabalhar padrões e hábitos, mas esse é o único caminho possível para encontrarmos a riqueza maior que existe na vida que é a nossa.
Leonardo Mansinhos