Vivemos um mundo e um tempo profundamente polarizados, onde somos levados a limites do nosso ser, da nossa compreensão, da nossa percepção. Este é um enorme caminho que estamos a percorrer, um desafiador teste que nos tem levado às profundezas dos nossos medos e dúvidas, dos nossos mecanismos de sobrevivência e controlo, que nos tem incitado a olharmos para as parcelas mais densas e sombrias de quem somos e a permitirmo-nos trabalhá-las. Só assim teremos a possibilidade de fazer enormes tomadas de consciência, de resgatarmos a humanidade que nos habita, nos torna verdadeiramente divinos.
Crescemos e fomos construídos enquanto pessoas a acreditar que o divino é algo almejável, inalcançável, algo tão superior a nós que só nos é permitido tocar-lhe em momentos muito especiais. Esta crença que nos foi incutida foi associada a um outro conceito, o de que somos impuros, imperfeitos, pecadores. Isto permitiu polarizações e divisões, o exercício do poder de uns sobre os outros, a manifestação do medo por parte dos que se esqueceram que a maior força que nos habita é o Amor e uma das suas mais belas expressões é a da Compaixão.
Não somos perfeitos nem imperfeitos, não somos puros nem impuros, não somos virtuosos nem pecadores, somos simplesmente humanos, verdadeiramente únicos, e isso implica um estágio constante e profundo de aperfeiçoamento, e tal só pode ser feito numa vivência tão especial como a que temos neste plano e neste planeta que nos acolhe. Não é sozinhos que o fazemos, não é em isolamento, não é numa busca exclusivamente interna que vamos compreender a nossa unicidade, a nossa individualidade, mas sim quando nos predispomos a projectar a nossa humanidade para com o outro, para com a sociedade, para com a comunidade, para com o mundo.
É nesta partilha que nos encontramos, que nos compreendemos, que nos integramos e crescemos. É ela que nos vai mostrar coisas que precisamos de ver, coisas belas, luminosas e maravilhosas que temos em nós, mas também coisas muito feias, terríveis e sombrias que necessitam da nossa atenção, do nosso trabalho, do nosso amor. No fundo, a partilha que este plano nos solicita é de amor, não aquele incondicional, idealizado, aquele que está presente em tudo no universo, aquele que nos construiu, mas sim o que vivemos na Terra, expresso e vivido em tudo o que fazemos, sentido nas nossas células.
Talvez uma das atitudes e posturas que mais nos têm sido pedidas é, precisamente, a da compaixão, a de conseguirmos olhar o outro pelos olhos do coração e compreendermos que o que ele sente não é muito diferente de algo que nós sentimos, hoje ou em algum momento das nossas vidas. É esta compreensão que nos projecta sobre uma vivência de dádiva, não de coisas da matéria, ainda que por vezes necessite de ser essa a expressão concreta, mas sim de um reconhecimento profundo do outro em nós, de que a sua fragilidade necessita de ser respeitada, tal como a nossa, de que o outro necessita de amor, tal como nós, de um olhar, de uma palavra, de uma mão estendida.
A compaixão não é uma energia passiva, bem pelo contrário, é guerreira, intensa e determinada, mas a sua expressão é tão subtil, tão amorosa, que não precisa de violência nem de agressividade. No entanto, o primeiro e mais urgente, nomeadamente nos tempos que vivemos, pedido que nos é feito é para vivermos esta energia, em primeiro lugar, connosco próprios. Amar o próximo é uma das mais belas premissas, mas se não reconhecermos primeiro essa energia em nós, dificilmente teremos a capacidade plena de a doarmos ao outro. Sem esta consciência, a dádiva é uma compensação, uma tentativa de ganhar um “céu”, e não uma expressão do que mais divino existe em nós. É esta a grande percepção que a compaixão nos traz, que é tão necessária nos tempos que vivemos, a de que ela não pede nem serve para compensações ou para colmatar supostas falhas, a de que ela é um movimento, uma energia, uma entrega que se inicia em nós mesmos.
Quando olhamos estas sombras em nós, quando vemos o que de mais profundo e denso se revela, que precisamos de trabalhar, sem dúvida, precisamos de saber também ver-nos com um olhar de amor, de tolerância, de compaixão. Quando nos alimentamos em compaixão, somos capazes de olhar o mundo em volta e doarmo-nos conscientemente, ajudando realmente quem necessita, respeitando o outro, libertando-nos de egoísmos e de posturas que de humanas pouco têm, mas ao mesmo tempo sem nos deixarmos perder na nossa identidade, sem nos tornarmos servis, escravos ou cegos.
A compaixão, tão necessária nestes tempos, não começa por fazermos doações de alimentos ou dinheiro, ainda que tal seja, tantas vezes, e infelizmente, necessário. Ela começa num olhar amoroso sobre nós mesmos, o outro e o mundo, compreendendo que estamos todos interligados, que não podemos crescer sozinhos, que não precisamos de andar em competições e comparações ridículas, pois isso é o que mais podre e destrutivo pode existir em nós e que, sem dúvida, nos tempos que vivemos, está a ser bem trazido ao de cima. É com esta percepção que podemos entender que o amor multiplica-se através da compaixão, que ele provém duma fonte inesgotável, que quanto damos, mais brota, mais nos alimenta e, assim, mais também temos para partilhar. O mundo necessita de mais compaixão, de mais amor, e isso todos nós, quase instintivamente, podemos expressar e compreender, mas, na verdade, quem realmente necessita somos nós, e essa é a semente que a vida e o tempo que vivemos nos tem oferecido para plantarmos no nosso coração.
Leonardo Mansinhos
Boa noite,
Gostava muito de conseguir obter a minha serenidade.
NAMASTE