Uma das maiores certezas que podemos ter no nosso percurso aqui na Terra é a mudança constante de tudo. Nada neste plano, no nosso planeta, na nossa existência, é imutável, e isso é visível em tudo o que nos rodeia e em tudo o que somos. É essa característica peculiar que nos permite crescer e evoluir, e é a resistência a essa mutabilidade de todas as coisas que gera frustrações, bloqueios e problemas.
Tudo, em cada instante, está em mudança, desde o nosso corpo nas suas células, às moléculas de ar que nos rodeiam, tudo, sem excepção, está neste ciclo constante de mutabilidade e de reajuste. Contudo, estas pequenas coisas das quais nem temos noção ou consciência concreta, pouco mexem com a nossa visão do mundo e da nossa vida e, por isso, passam despercebidas, ainda que sejam essenciais. Quando são coisas “maiores”, mais determinantes para a nossa relação com o mundo exterior e concreto, coisas da matéria, a mudança assusta-nos e transporta-nos para uma zona de conforto comum a todos nós, de diversas formas, a do medo do que não controlamos, da imprevisibilidade, do que está fora do nosso alcance.
Vivemos tempos de mudanças e, por isso, são também tempos especiais, que nos orientam para um caminho de evolução. Não foi algo assim tão inesperado, pois se olharmos bem dentro de nós, se formos muito honestos e sinceros, vamos perceber que a necessidade de mudança existe no nosso ser, na nossa ideia, nas mais diversas áreas, há muito tempo. Contudo, muitas vezes, é preciso um abanão, um empurrão súbito, para nos fazer acordar e, eventualmente, despertar, e é essa a oferta que este momento nos traz. Sem viver este tempo, dificilmente teremos a capacidade de encontrar caminhos que há muito buscávamos, mesmo sem o saber. É por isso que este tempo é uma oportunidade única e incomparável, que implica, sem dúvida, encarar e enfrentar alguns, por vezes muito fortes, medos.
A mudança é o primeiro passo para a transformação, e é necessário compreendermos que falamos de duas coisas diferentes, ainda que estejam interligadas. Quando algo muda, há uma estrutura que se quebra, por tensão ou por intenção, mas que só dessa forma se permite revelar algo que, até ali, não teríamos possibilidade de ver, como um muro que nos impede de ver o que está para lá dele. Há, no entanto, uma sabedoria cósmica por detrás destes processos, que faz com que só se quebre o que não está sólido nem no sítio certo. O Universo e a vida nunca nos retiram o que faz parte de nós, pois isso está em sintonia com o nosso percurso e com o nosso propósito. Contudo, o que está fora desta harmonia necessita, em algum momento, de ser retirado, sob pena de contaminar ou destruir o que está à sua volta.
A chave de todo este processo é precisamente a harmonia, uma busca constante neste plano, que não significa equilíbrio no sentido que muitas vezes conhecemos, onde tudo está muito “direitinho”, mas sim o que permite dinâmica de crescimento saudável, o que permite a vida nas suas mais belas manifestações. Nem sempre isso é dum equilíbrio matemático, bem pelo contrário, é único e individual, às vezes até bem complexo, mas sempre, indubitavelmente, harmónico.
Sem este quebrar que a mudança nos revela, sem este choque que a vida nos coloca à frente, não poderemos viver uma vibração de transformação. A mudança existe, precisamente, para colocar-nos nesse processo, pois é daí que somos direccionados para um crescimento e uma evolução. Sem esse caminho, a mudança seria apenas uma cosmética aplicada a algo, que pouco efeito profundo teria. Por isso, quanto mais intensa e forte ela é, mais poderoso o resultado que poderemos encontrar, mas também mais doloroso é o próprio processo. A transformação não é uma vivência simples ou fácil, é lenta, profunda e reveladora, que pega no que foi quebrado, no que mudou, e traz das suas profundezas a essência viva e criadora, uma gota de luz que é suficiente para iluminar e se espalhar por parcelas muito vastas do nosso ser e, consequentemente, do mundo que nos rodeia.
A mudança mete-nos medo, pois confronta-nos com o desconhecido, com o que não controlamos, com a imprevisibilidade das coisas. Na verdade, ela mexe connosco porque vai buscar um plano do nosso ser que temos alguma dificuldade em lidar e trabalhar, as nossas emoções. Esse desconhecido, esse salto de fé que nos é pedido, tantas vezes, deixa-nos vulneráveis, faz-nos ver e lidar com emoções que precisamos de deixar vir cá para fora, que precisamos de libertar. O problema é que vivemos num mundo, numa sociedade, em que nos foi ensinado a contrair emoções, a limitar a sua expressão em nós, em que há uma divisão entre emoções boas e emoções más, algo que é falso e, na realidade, destrutivo. Viemos a este planeta para aprender a viver as emoções que só conseguimos viver aqui, desde as mais bonitas e amistosas, às mais intensas e violentas.
Quando lidamos com um processo que nos tira o chão, que nos pede para saltarmos, para confiarmos nas nossas emoções, nos nossos sentimentos e deixá-los permear a nossa mente, elevando-nos à vivência da nossa intuição, não há futuro que se possa prever, nem há nada que se consiga controlar, pois não é esse o propósito. Largar hábitos, estruturas e bases que nos serviram durante muito tempo, mas que já não nos permitem crescer, é entregarmo-nos ao desconhecido, mas conscientes do nosso caminho e do que pretendemos, é vulnerabilizarmo-nos, sim, mas centrados em nós mesmos. É isso que permite que a mudança, o quebrar do que já não nos serve, seja a semente da transformação de nós mesmos, como a lagarta que constrói o próprio casulo para se transformar em borboleta, não porque ela tenha, racionalmente, a noção desse caminho, mas porque tudo o que ela é, sabe que esse é o percurso a fazer, o seu propósito divino.
Leonardo Mansinhos
Imagem por Noah Buscher @ Unsplash