Resgatar a nossa relação com o tempo talvez seja um dos grandes desafios dos tempos modernos em que parecemos viver alheios de nós próprios, num open space, sempre contactáveis e ligados à rede, com pressa de ir a algum lado (ou a lado nenhum) ou de fazer coisas, privando-nos a nós próprios de testemunhar e ser protagonistas do espectáculo da vida, em silêncio e em contemplação. E é esta correria destravada do dia-a-dia, ao som do ruído, que nos dificulta a paragem na estação do silêncio, a tal pausa necessária para prestar atenção, ler a nossa bússola interior e prosseguir a jornada sob a orientação da nossa agulha magnética.
A isto chama-se a audição dos lugares, a nossa capacidade de nos deixarmos inspirar por onde passamos, de apreciar e de ver para além do olhar, para além daquilo que está à nossa frente, tal como quando se olha para uma árvore, que, muito mais do que um tronco e ramos, está enquadrada num quadro vivo, pintado de céu, luz, Lua, cor, Sol, envolta pelo som do silêncio, que nos transporta para muito mais longe. Através dessa árvore é possível ouvir a nossa busca de luz e de algo maior, lentamente e em constante renovação. A árvore da vida.
Perfurar as camadas da distração e do automatismo para escutar o silêncio é um exercício que tem tanto de penoso como de corajoso, porque requer, por vezes, um afastamento e uma condução em contramão, com o risco do confronto impactante, porventura, com nós mesmos, com os outros ou com as nossas escolhas. No entanto, quanto mais ouvimos os silêncios, menores serão os riscos dos impactos e maior será a alegria de viver, pois a escuta activa permite-nos ter a consciência da nossa dimensão e do lugar que ocupamos no tempo e no espaço. É esta noção da nossa dimensão que nos permite viver em modo manual.
O silêncio é a voz que nos pode transformar e enriquecer, elevar a nossa capacidade de criatividade e de reinvenção, de renovação e de descoberta, de tolerância e foco, trazendo aos dias mais primaveras e dando leveza às nuvens, essa coisa que parece apenas carregar o peso da chuva, mas não. É aqui que reside a alegria, nutrida pela beleza da leveza do nosso olhar interior, pelo espanto e autenticidade, pela abertura e aceitação, pela simplicidade e pela transformação da nossa interioridade. Tudo ao som e ao ritmo do silêncio e que só o silêncio nos pode dar. Ao som da nossa música.
Ouvir o silêncio é utilizar os nossos recursos interiores para fazer a nossa maior viagem, para dentro. Esta, sim, poderá ser a mais aventureira e aprazível viagem a que nos podemos – e devemos – permitir, numa jornada em que é possível encontrar todo o tipo de paisagens, de sabores e saberes, de sentidos e de sentido. Uma aventura sem igual, iluminada pela nossa luz própria, sem sair do lugar onde estamos, contrariando a desertificação da vida interior.
Se fosse assim tão fácil, estaríamos todos no paraíso, mas temos de acreditar que é possível. Aqui e ali, se escutarmos o som do silêncio, a viagem terá mais encanto e fará mais sentido.
Porque é que viajamos? Para sair ou para entrar?