As histórias sobre a solidão e a consequente ausência dos afectos são muitas. Na verdade, os afectos revestem-se de tamanha e delicada grandiosidade, que são dados só pela simples presença dos outros na nossa vida.
A sua escala é atingida em plenitude, quando algumas dessas pessoas cruzam os nossos caminhos e a troca atinge toda uma outra dinâmica. Quanto mais gostamos, mais queremos dar. E se damos, o coração abre-se, generoso, na belíssima arte de nos permitirmos receber. Entregamos corações para que nos possam dar os seus.
Não fomos feitos para habitarmos em solidão. Que se admita, estar sozinho é condição plena de reencontro e imprescindível ao próprio desenvolvimento. É aprender a gostarmos de estar com quem iremos conviver para o resto das nossas vidas. Só assim conseguimos entender a magnífica dinâmica dos afectos.
A solidão é outra história. É percebermo-nos em vazio e, de certa forma, nos perdermos. Se ao estarmos sozinhos nos encontramos, quando não temos a quem nos dar, esvaziamo-nos em desencontros. Não se criam laços. Não existem trocas. É necessária a medida certa dos encontros e desencontros das relações justas connosco e com os outros.
Porque ser-se afectuoso é se saber dar e receber. Numa soberba dança em que instintivamente se conhecem todos os passos. Sem se invadir o espaço do outro ou o nosso, em simples e natural sintonia, movimentando a generosidade e a entrega da música que se escuta enquanto se dança.
Mesmo que pisemos os próprios pés ou o pé do par, que não seja por desarmonias, mas simplesmente por falta de jeito. A dança também se aprende.
Os verdadeiros afectos ficam sempre em memórias. Na essência, nas gargalhadas e no contentamento das mãos que nos conduzem o corpo, enquanto nos movimentamos, para que não nos aconteça a trapalhada de subitamente cair. Contudo, se cairmos, não tem importância. Que o mundo dos afectos nunca esteja em perigo. Existe sempre uma mão que, de súbito, se estende para que nos possamos levantar.
É na queda que nos apercebemos que o verdadeiro afecto é perfeito e eterno camaleão. Transmuta-se sempre, em pequenas e grandes quantidades, na mais ínfima atitude de todos os dias.
Quando nos levantamos e aceitamos a mão que se estende, entendemos o que se sente na janela do hospital. Que na solidão imerge um dos maiores entendimentos da vida humana. Que andamos por aqui para nos percebermos no outro. Que só nos sentimos se sentirmos quem nos rodeia. E que nada vale mais do que um longo e sentido abraço.