Às vezes, o tempo que se tem, já não é tempo. E se se tem tempo, nem sempre ele transborda.
Não sabemos nunca quanto tempo se tem. A cada dia que abrimos os olhos, a cada acordar, esquecemo-nos da eterna gratidão de tê-los aberto. Ainda estamos vivos. E lavamos a poeira dos sonhos e vestimos o papel daquele dia, caminhando em modo tão autónomo que até o próprio tempo fica confuso com o tempo que não lhe damos.
Cheira a vida e cheira a morte todos os dias. Na existência, caminhamos entre dois limbos sempre com medo de verdadeiramente os enfrentarmos de frente. Temos medo de viver a vida, porque temos medo de morrer. Esta é a maior batalha da humanidade. Perceber como encontrar sentido, quando não sabemos que sentido a vida tem.
Tem. Tem todo o sentido. Faz sentido na simplicidade de se ser quem se é, na singularidade e no milagre de termos nascido quem somos, do beijo de amor ou de ódio que nos gerou, no preciso minuto em que demos o primeiro grito, no perfeito enquadramento de galáxias em que nascemos. Precisamente naquele momento e espaço no tempo.
Não damos ao tempo o valor que o tempo tem. O tempo dos sonhos é o tempo das crianças, dos adolescentes que fomos, de todo o tempo que temos pela frente. Na angústia dos dias, no sofrimento que nem sempre deixamos escorrer pelos olhos e lavar por dentro, decidimos que devemos desistir. Do amor que nos carrega para a frente. Das coisas boas que substituímos pelas más, quando vamos dormir e que nos lembramos sempre ao acordar.
São pesadas as coisas que nos magoam. Têm um peso diferente. Sobrepõem-se umas às outras e a carga fica mais densa, mais difícil de carregar. Empurram para fora o desejo de viver e fazem com que se digam coisas parvas. Que devemos desistir. Que não vale a pena. Que nunca mais vamos dar nem receber e que mais vale pôr o pé na estrada, é preciso fazer o que se tem a fazer, cuidar, arranhar, carregar. Relembrar: as memórias más sobrepõem-se sempre às boas.
Quanto tempo o tempo tem? Qual o tempo que temos?
Que se sonhe a dormir e se limpam as intrincadas gavetas de memórias que guardamos. Que sonhemos acordados, enquanto é tempo. Que se devolva às horas, aos minutos e aos segundos os risos que damos com a boca e com os olhos, os beijos que se trocam maliciosos e o cheiro doce de corpos que se amam, o abraço que damos aos nossos pais que nunca sabemos se será o último, o olhar sobre os nossos filhos, enquanto dormem tão descansados, mesmo quando já são adultos.
Quanto tempo o tempo tem…
Sabemos que a carga é pesada, sabemos que aí por dentro dói e massacra. A cabeça e o peito já não fazem parte dos nossos corpos, mas da perfeita exaustão.
Contudo, só hoje, enquanto vivermos neste tempo que nos foi dado a nós, só a nós, que não esqueçamos: não há melhor prenda que ele. E ele é muito mais complexo do que imaginamos.