Creio que um dos grandes desafios desta caminhada pela Terra é conseguirmos ser, em todos os momentos, genuínos, sermos realmente quem somos, sem máscaras ou capas, sem estratagemas ou mecanismos de controlo. Vivemos marcados por séculos, quando não milénios, de repressão das individualidades, de restrição da originalidade, de condicionamento de capacidades, seja através de mecanismos mais visíveis, seja por outros mais subtis, uns mais básicos, outros muito elaborados, que foram evoluindo ao longo do tempo. Vivemos com a necessidade de usar essas máscaras, de nos defendermos e reservarmos, seja nas nossas profissões, seja nas nossas relações humanas, das mais diversas naturezas.
Não é que as máscaras não sejam importantes ou necessárias, são-no, tão importantes como o ego que nos sustenta a sobrevivência nesta passagem pela Terra, mas, tal como com ele, o problema está quando lhes damos demasiada importância, quando ficamos agarrados e apegados ao uso dessas máscaras e já não sabemos funcionar sem elas. Nesse momento, ficamos aprisionados num mecanismo de sobrevivência, deixamos de saber quem somos e passamos a ser outra coisa qualquer.
Num tempo como o que estamos a viver, de profundas mudanças, em que nos sentimos pressionados nas nossas vidas, em que muitos de nós sentem uma necessidade de mudança, de transformação, em que muitos de nós sentem-se insatisfeitos, confrontamo-nos com o facto de não nos sentirmos nós mesmos, de estarmos desalinhados e descentrados. O tempo passa e a sensação vai-se tornando maior e mais forte, as rupturas surgem e sentimos que há algo que precisamos de fazer.
Falamos, por vezes, que é preciso deitar abaixo às máscaras, rasgar as capas, mas tal nem sempre é fácil, nem pode ser feito de forma abrupta. Na verdade, o processo tem de ser bastante cuidado e começar, na verdade, por recentrarmo-nos, por nos realinharmos com quem realmente somos e com quem viemos ser nesta vida. Usamos as máscaras, tantas e tantas vezes, porque não nos compreendemos, porque não conseguimos entender o propósito que nos encaminhou a uma encarnação, porque não conseguimos extrair essa partícula divina que existe em nós, o fundamento do espírito. Por nos sentirmos desajustados, passamos a ser aquilo que nos parece mais correcto, mais adequado, e, com o passar do tempo, essa máscara funde-se com a nossa natureza e perpetua-se o desligamento.
Por isso, todos os processos têm de começar por sabermos quem somos, por um mergulhar dentro de nós que tantas e tantas vezes tenho referido. Sem termos uma noção de nós, deitar abaixo as máscaras é destruirmo-nos, pois não saberemos lidar, nem sequer reconhecer, aquilo que veremos, acharemos que não somos nós, entraremos em choque, como se olhássemos para algo que nunca tivéssemos visto, nem sequer imaginado.
Sermos autênticos começa por trabalharmos a nossa identidade, assumirmos, progressivamente, a nossa individualidade, reconhecer, passo a passo, a nossa Centelha Divina, compreendermos, ainda que isso seja o trabalho duma vida, aquilo que nos trouxe até este planeta, aceitarmos a consciência física, o corpo que nos acolhe, na sua perfeição, e não termos medo de mostrar isso a todo o mundo que nos rodeia. Isso implica ultrapassar bloqueios, trabalhar sombras, deitar abaixo barreiras e dúvidas, de tal forma que não teremos quaisquer medos de que não funcione, de que não resulte, de que não nos aceitem ou não nos reconheçam.
Esse trabalho, constante, contínuo, profundo e revelador, leva-nos a ter a capacidade de fazer as coisas mais extraordinárias neste planeta, a trazer um pouco de luz num mundo tão coberto ainda de trevas, curar quem está doente, orientar quem se sente perdido, dar forças a quem está fraco, estruturas a quem não tem um chão, e isso é feito das mais diversas formas, seja como um varredor de ruas, um pedreiro, um escriturário, um médico, um empresário ou um político. O segredo é a autenticidade com que nos colocamos em tudo o que fazemos, a humildade com que abraçamos cada desafio, o coração aberto que damos em cada gesto. Se formos nós mesmos, autênticos, genuínos, transparentes, ainda que usemos algumas capas, talvez ainda algumas máscaras durante algum tempo, elas serão criteriosamente escolhidas, usadas nos momentos certos, retiradas quando já não necessárias, e, com o passar do tempo, já nem necessitaremos delas, pois conseguiremos mostrar, revelar e deixar vir à tona quem somos, até porque, se todos somos espíritos, centelhas divinas, há sempre um ponto de luz em nós, pronto a ser descoberto, revelado e amplificado.
Leonardo Mansinhos