O mundo engole-nos. Mais do que uma vez. Vivemos em contramão, sem direção e muitos são os dias em que ‘corremos até nos faltar o ar’. Acordamos com um despertador já atrasado. O corpo suplica por mais cinco minutos na cama, mas a cabeça já raciocina a 100km/h. Tomamos um pequeno-almoço atabalhoado, meio em pé, meio sentados. Aproveitamos para responder a uns e-mails pendentes, demoramos a escolher o que vestir, saímos de casa no limite do razoável. Perdemos a cabeça no trânsito, damos início ao dia com a sensação de que estamos acordados há horas e não fizemos nada.
Vivemos num ritmo tão acelerado que é fácil esquecermos o som da nossa própria respiração. A rotina diária, que devia ser sinónimo de tranquilidade, leveza e estabilidade, transforma-se facilmente num turbilhão. Consome-nos, muitas vezes sem sequer darmos por isso. Estamos a existir no meio do caos: fisicamente presentes, mentalmente exaustos. Perdemo-nos de nós mesmos – devagar, no silêncio das pequenas concessões diárias. Raramente damos conta e continuamos a ‘aguentar só mais um pouco’, a ‘descansar depois’ e a tentar convencer-nos que ‘é só uma fase’. Só que as fases acumulam-se e, quando damos conta, já não sabemos ao certo quando termina este modo de sobrevivência e começa a verdadeira vida!
O caos nem sempre é barulhento. Às vezes, revela-se numa sequência de dias infinitamente iguais, vividos em piloto automático. No silêncio dos dias, fazemos o que tem que ser feito, sem pensar muito. Ligamos o corpo e desligamos a alma. Cumprimos o que há para cumprir, suamos para chegar a todo o lado, para sermos perfeitos em todos os lugares. Saltamos de papel em papel, vezes sem conta, e a rotina, que nasce do desejo de organização e previsibilidade, torna-se uma prisão invisível. O tempo voa, sim, mas quantas vezes paramos para o sentir? As horas passam depressa demais, os dias misturam-se com as noites, as semanas evaporam-se. E nós? É fácil perdermo-nos assim, sem pausas.
Aceitar que não controlamos tudo é um dos primeiros passos para reencontrar o equilíbrio. A vida é feita de altos e baixos, de dias em que tudo encaixa na perfeição e de outros em que nada faz sentido. Ao vivermos um sprint infinito, esquecemo-nos que o que mais importa é simplesmente estar. É preciso dizer mais vezes ‘espera!’ quando tudo nos empurra para o ‘anda’. É preciso estar presente, conectado, ligado, mesmo que por breves minutos. É preciso criar pausas dentro da própria rotina – que funcionem como reencontro. Gestos simples são verdadeiras âncoras e balões de oxigénio no meio da tempestade.
Não se trata de eliminar o caos – ele faz parte da vida. Trata-se de aprendermos a caminhar sobre ele sem nos perdermos. Há pequenas práticas que podem fazer toda a diferença: parar para respirar, desligar o piloto automático, dizer ‘não’ a tudo o que não precisa de resposta imediata, criar momentos que sirvam de pausa e reconexão, aceitar o imperfeito. A partir daqui, é tudo uma questão de escolha. É sobre voltar a nós, mesmo que o mundo continue a correr. É sobre escolher respirar, sentir, cuidar e lembrar que o nosso coração só precisa de espaço para bater com calma. A vida não vai deixar de ser caótica, os dias continuarão cheios de responsabilidades, mas nós encontraremos um ponto de paz e luz que nunca desaparece, mesmo quando está escondido debaixo do ruído.

