“Nós somos o que fazemos. O que não se faz não existe. Portanto, só existimos nos dias em que fazemos. Nos dias em que não fazemos apenas duramos.”
– Padre António Vieira
A vida não para, não espera. Giramos, quase em rotação automática, sobre as rotinas cimentadas nos alicerces do “tem de ser”. E é verdade, tem de ser. Da forma que “tem de ser” tudo o resto fica do lado de fora da esfera de rotação.
No centro da espiral cinzenta do “tem de ser”, a almofada da languidez da vida não cabe. Requer dedicação distraída, requer deleite, requer planar. Pisam-se pedras no caminho, trepam-se escarpas, esfolam-se os dedos e os joelhos. Sonham-se dias, desenham-se horas a mais nos relógios dessas outras galáxias mentais que existem mesmo.
Que fazemos nós aqui? O que oferecemos de nós? Será que damos o suficiente?
Somos quase como uma sociedade sombra, quase transparente. Estamos cada vez mais individualizados, sozinhos no que é novo. Presos a um progresso impessoal e solitário.
Estamos num momento em que são raras as pessoas que olham para o outro com olhos que conseguem ver, estão a acabar as pessoas que sorriem com o coração, que detêm a correria para perguntar e esperar a resposta ao “Estás bem?”. Se neste momento cada um pudesse fazer pausa e assistir ao que viveu até aqui, de certeza que não faria tudo da mesma forma. Dava mais de si, dedicava mais tempo àquele abraço, mais tempo àquele dia de praia, àquela companhia, mais ao momento, mais sentir as emoções tal como elas são, viver sem a sensação de apenas existir dentro de um corpo que faz a proeza de se movimentar. A sociedade moderna tornou-se tanto no tão moderna que perdeu a fundamental e o mundo não para para ver o que está à volta.
O jantar é interrompido pelo telefone que toca, o convívio espera, porque aquele email tem de ser enviado, os filhos crescem, enquanto a modernidade acontece. O tempo corre, enquanto o trabalho se torna cada vez mais exigente e essa exigência é correspondida.
Os amigos vão e vêm, enquanto a vida pede mudança, movimento. Apenas aqueles que damos de nós, esquecendo a louca sociedade moderna, ficam.
Deixámos de sorrir uns para os outros, porque estamos sempre ocupados. Depois esquecemo-nos como se faz e sabe tão bem. Esta sociedade sem nexo, está a deixar que nos afastemos, que a frieza chegue, que se deixe de olhar para o outro. Não temos tempo para conhecer as pessoas e o caminho mais rápido será julgá-las pela aparência, pelas escolhas que fazem, pelos caminhos que percorrem sem tempo para perceber quem realmente são.
Vivemos rodeados desta “ocupação” a que nos propomos, que esquecemos que os ponteiros não param. Podemos pensar que a culpa é da sociedade, realmente podemos. A sociedade pede movimento, todos os dias mais um pouco, mas calma… parece que eu sou a sociedade, tu és a sociedade, nós podemos mandar, podemos mudar. Contudo, nós não mudamos. Porquê?
Amontoam-se tarefas, obrigações, prazos a cumprir e o tempo vai passando e o tempo vai voando. Num abrir e fechar de olhos. Por isso, temos de (des)acelerar, respirar – bem e fundo. (Des)comprimir e (des)complicar!
No meio de tantos parêntesis, deve haver algum que nos fará sentido “deixar cair” e que se revele toda a palavra e a possamos desfrutar da melhor forma possível. Começarmos por tomar consciência do que é realmente importante para nós. Definir as nossas prioridades (as nossas, não as que são definidas pelos outros para nós). E vivermos de forma mais honesta connosco mesmos.
Sermos mais conscientes no dia-a-dia, sem aquela pressa “acessória” que nos faz acelerar, porque estamos constantemente a pensar na tarefa seguinte. O relógio existe. Serve para todos nos regermos nas 24 horas que nos são disponibilizadas todos os dias. O que fazemos com essas 24 horas e a forma como lidamos com elas são da nossa responsabilidade.
Olharmos para as coisas de forma diferente. Mais valorizada. Mais sentida. Com os 5 sentidos. Com a noção de que nada dura para sempre. De que aquilo que é hoje, amanhã pode não ser. Nada é garantido. Tudo se pode transformar a qualquer momento. E deixar passar para amanhã o que podemos sentir hoje, não deverá ser, de todo, opção.
Se começamos o dia a pensar nas inúmeras tarefas que temos pela frente, devemos desafiar-nos a acordar, a primeiro tomar consciência do nosso corpo, das nossas emoções e a agradecer pelas 24 horas que temos pela frente e as quais podemos usar para fazer mais uma página do livro da nossa Vida.
Se acordamos sempre rabugentos e sem vontade, devemos desafiar-nos a perceber o porquê. A perceber o que podemos fazer para transformar o nosso acordar num acordar mais bem-disposto e agradecido. Desafiarmo-nos a mudar os nossos hábitos, que estão de tal forma enraizados que não nos permitem mais ter prazer e desfrutar desta caminhada que se chama Vida. Das páginas do livro que vamos escrevendo a cada dia!
Temos de dar o benefício da dúvida… E, no entretanto, vamos experimentando e vivenciando. Desta forma, a Vida vai mudando, tornando-se mais leve e mais fluída. O que nos irá mostrar que somos capazes. Capazes de encarar todas as dificuldades como desafios. Todas as infelicidades em oportunidades de amadurecimento. E todas as dúvidas em aprendizagens. Que nos mostram que em cada dia é possível viver mais desacelerado, mais contrito connosco mesmos, com mais liberdade de sermos quem somos.
Aproveitar os amigos, a família e até mesmo o nosso animal de estimação. Eles existem hoje na sua Vida. Eles existem agora. Cuide, respeite, nutra. A eles e a si.
Aproveite a natureza. O mar, o rio, o jardim, o campo e lembre-se que é na simplicidade das coisas onde está a nossa maior riqueza.