Há um momento na vida, talvez mais cedo do que imaginamos, em que damos conta que a relação mais longa, constante e profunda que teremos, é connosco mesmo. Por isso, há urgência em aceitar-nos, por inteiro. Mesmo assim, não são raras as vezes que nos tratamos com uma dureza que nunca ousaríamos dirigir a outra pessoa. Esperamos perfeição de nós mesmos, tolerância sem limites, paciência infinita e nenhuma falha, até ao dia em que nos questionamos: e se a chave para relações saudáveis com os outros estiver justamente na forma como nos tratamos a nós?
O amor próprio é um exercício diário, composto por pequenos gestos: saber dizer ‘não’, acolher um erro sem o transformar em sentença, olhar para o espelho e não encontrar apenas defeitos, reconhecer em si mesmo presença, história e caminho. Mais do que autoestima, o amor próprio é aceitação e consciência – é reconhecer as virtudes e os defeitos, é saber onde se situam os limites e, mesmo assim, continuar a gostar de quem somos. Aqui importa distinguir: aceitar não é desistir de melhorar, é criar um espaço interno para observar um determinado comportamento com compaixão. É, ao invés de me julgar de cada vez que erro ou reajo de forma errada, permito-me respirar, refletir, voltar atrás e criar alternativas na relação. O amor próprio oferece-nos o intervalo entre o impulso e ação.
Quando nos tratamos com dureza, impaciência ou exigência extrema, começamos a projetar essa forma de estar nas nossas próprias relações. Julgamos os outros como nos julgamos e esperamos deles o que esperamos de nós. Por norma, é demasiado, e acabamos muitas vezes por exigir muito mais do que, na verdade, podemos dar, o que gera desconforto e conflito. O caminho contrário também é verdadeiro: quando somos gentis com os nossas falhas, tornamo-nos mais compreensivos com as falhas dos outros. Quando somos pacientes com os nossos processos, conseguimos respeitar o tempo e a forma de cada um. Uma consequência natural dessa paz de espírito é a empatia verdade, que não nasce sem esforço.
O amor a nós mesmos tem diversas dimensões. Além da aceitação dos defeitos e do acolhimento das virtudes, amar-se também implica: colocar limites, cuidado do corpo e da mente, celebrar todas as conquistas, mesmo as mais pequenas, dado valor aos nossos passos, e permitir-se sentir todas as emoções.
No final do dia, somos todos feitos de luz e de sombra. O segredo não está em apagar a sombra, mas sim em compreendê-la e integrá-la. Quando nos conhecemos e aceitamos com honestidade, tornamo-nos mais leves. Não é que não tenhamos defeitos, mas já não os escondemos ou combatemos. Curiosamente, é também quanto mais nos aceitamos, que mais nos transformamos. O que sentíamos como fraqueza, ganha um espaço novo.
Se ao lermos estas palavras, algo forte nos tocou, está tudo bem. Permitir que a verdade se revele também é amor próprio. Talvez hoje seja um bom dia para manifestar gentileza, elogiar, silenciar sem crítica, abraçar, lembrando que todos os seres são dignos de amor, exatamente como são.