A possibilidade de estar sozinho é assustadora para a maioria das pessoas. É um momento desconcertante. Há quem fuja dessa possibilidade e há quem disfarce este receio com uma agenda cheia de compromissos, o telemóvel atolado de notificações e a mente pesada com estímulos. Em nenhum dos casos, há espaço para o silêncio, nem tão pouco espaço para estarmos connosco mesmo – sem distrações, sem conversas paralelas, sem o barulho constante que nos preenche os dias.
O que será que nos assusta verdadeiramente? O facto de estarmos sozinhos, mesmo que por instantes, ou o medo profundo de nos sentirmos sós?
Vivemos numa sociedade que celebra o coletivo, a imagem social, o ‘eu’ rodeado de gente. As redes sociais são palco onde o expomos com mais facilidade: as nossas partilhas incluem amigos, grupos, animação. O pior que podemos parecer, neste palco, é solitários. Este modelo cultural reforça a ideia de que estar sozinho é sinónimo de fracasso, de rejeição, de falta, e não nos ensina a valorizar o tempo passado em contacto apenas connosco, em introspeção. Não nos dá espaço a pensarmos no silêncio como uma hipótese fértil – pelo contrário, sugere-nos constantemente que a evitemos a todo o custo. Nesta cultura do ‘nunca estar sozinho’ acabamos por viver vidas saturadas de estímulos, mas pobres em profundidade e tornamo-nos especialistas em fugir de nós mesmos.
O confronto é inevitável. Estar sozinho é como entrar numa sala de espelhos. Não há ninguém para nos distrair, ninguém para ajudar a ocupar o espaço. Existimos apenas nós e o nosso reflexo – aquele que evitamos olhar durante tanto tempo. De repente, surgem vozes interiores que, tantas vezes, não são doces nem amáveis. Implacáveis, lembram-nos das promessas que quebrámos, das oportunidades que deixámos escapar, das escolhas que podiam ter sido melhores. Naturalmente, perante este cenário, preferimos fugir. O confronto connosco mesmos raramente é confortável.
Se escavarmos um pouco mais fundo, percebemos que o medo de estar sozinho não é, de facto, sobre a ausência do outro. O que nos assusta é a ideia de não sermos suficientes para nós próprios. Isso sim, é solitário. Verdadeiramente solitário. Quando ficamos sem ninguém ao nosso lado, é como se o mundo nos perguntasse: ‘O que tens para te oferecer agora?’. É nesse instante que nos apercebemos como dependemos dos outros e como somos seres (exclusivamente) sociais – é nos outros que procuramos validação, presença e até silêncio. São os outros que nos completam. Esta realidade é reveladora: aprendemos a cuidar, ouvir e acompanhar quem está ao nosso lado, mas esquecemo-nos de aplicar esses gestos a nós próprios. Somos tão pouco gentis connosco, não somos?
Por mais que adiemos, o encontro connosco mesmos acaba por acontecer. Encarar a solidão pode ser o passo para a aceitação, lembrando que estar sozinho não é o mesmo que estar só. Estar sozinho não nos diminui e pode até ser uma oportunidade de crescimento se não confundirmos essa condição com abandono ou rejeição.
Aceitamos o convite? Vamos olhar para o tempo em que estamos sozinhos como um espaço para nos conhecermos melhor, para nos reconciliarmos com quem somos, para deixarmos cair os filtros e os disfarces? Estar sozinho pode ser a oportunidade de percebermos o que realmente nos faz bem, o que nos inspira, o que nos move. Sem a influência das expectativas alheias, sem a necessidade de agradar, com espaço para responder ao que realmente queremos, de verdade. Transforme o medo em encontro, aprecie a sua presença!