Sobe pelo corpo como se fosse um fogo. O coração acelera, os músculos contraem, a respiração encurta. Parece que estamos prestes a explodir e acaba por ser assustador. Hoje falamos sobre a raiva – uma emoção poderosa, mas que não precisa de ser vista como um monstro.
Frequentemente apelidada como uma emoção ‘negativa’, a raiva pode, na verdade, ser uma verdadeira aliada, uma mensageira que nos lembra quem somos e o que queremos e merecemos. Ao contrário do que nos ensinam, não é para controlar, esconder ou, de preferência, até evitar. A raiva não é inimiga. Se a escutarmos com atenção, podemos transformar a forma como vivemos e nos relacionamos com os outros. A raiva é uma das nossas emoções mais sábias e reveladoras – não devemos eliminar, mas sim procurar ouvi-la.
A primeira premissa a considerar é que, na verdade, não existem emoções negativas. Existem emoções que nos são mais ou menos confortáveis. A alegria é confortável, a tristeza dói, o medo encolhe, a raiva queima. Todas, sem exceção, têm uma função. A raiva, em particular, é uma emoção de movimento, de ação. É ela que nos mostra que há algo errado. É mensageira de uma fronteira que foi ultrapassada. Lembra-nos que algo precisa de ser respeitado. Se a tristeza é a emoção que pede pausa e recolhimento, a raiva é a emoção que pede mudança. Empurrá-la para o fundo, ignorando-a, não a faz desaparecer. Pelo contrário, a raiva fica acumulada, à espera de sair. Ouvi-la no momento que surge é compreender que não vem para nos destruir, vem para nos proteger.
A raiva é a amiga que fala alto de mais. Às vezes grita, outras vezes bate com a porta. Parece agressiva, mas, ao contrário do que parece, ela só quer atenção. Quer ser escutada porque tem muito para nos dizer: ‘isto é importante para mim’, ‘alguém passou um limite’, ‘preciso de proteção’, ‘não estou a ser fiel a mim mesmo’. Quando não a ouvimos, acontece uma de duas coisas: reprimimos ou explodimos. Reprimir significa fingir que está tudo bem, mesmo quando o corpo e a mente guardam memórias. A raiva acumulada pode transformar-se em ansiedade, stress, dores físicas e até doenças. Por sua vez, explodir significa descarregar em filtros, gritar e magoar. É proferir uma mensagem importante que fica perdida no meio do barulho. Ouvir a raiva é encontrar um meio termo: nem guardá-la, nem deixá-la dominar. É usá-la como bússola.
A raiva é força de transformação. Muitas das mudanças no mundo nascem da raiva. Foi a raiva contra a injustiça que levou pessoas a lutar por direitos humanos. Foi a raiva contra a opressão que inspirou revoluções. Foi a raiva contra o abuso que fez com que vozes se levantassem e dissessem ‘basta!’. No dia a dia, pode não ser tão épico, mas é igualmente transformador. A raiva pode ser a força que nos ajuda a sair de um trabalho tóxico, a terminar uma relação com alguém que já não nos respeita, a defender quem precisa de apoio ou até a começar um projeto novo.
A raiva não é uma sombra a esconder. É uma chama. Vamos aprender a ouvi-la? Vai iluminar-nos o caminho e aproximar-nos do que realmente importa.