A vida é como um daqueles pequeninos relógios mecânicos, magníficos na sua precisão, onde, milimetricamente, cada roda encaixa na outra e movimenta-se numa fluidez perfeita. Cada segundo reflecte um conjunto de movimentos em sincronia, cada minuto, mais uns quantos movimentos que se lhes adicionam, cada hora, mais uns poucos. No total, tanto acontece sem se ver, mas tudo se alinha para nos dar um simples, mas importante, movimento; nenhum grau que cada rodinha faz é sequer supérfluo, tudo faz parte duma magnífica, intensa e poderosa engrenagem. Da mesma forma, a nossa vida é composta de cada momento, de cada acontecimento, e, como no relógio, os mais importantes e fulcrais são os que não se vêem, os que existem apenas dentro de nós, aquelas que nos vão transformando lentamente, mas todos estão sincronizados, numa mecânica quântica, superior e divina, absolutamente perfeita.
Aprender e integrar em nós esta verdade, que tantas e tantas vezes a vida nos apresenta, é conseguir aceitar cada situação, cada momento, cada segundo das nossas vidas, vivê-lo em tudo o que ele tem para nos dar, compreender que tudo tem o seu papel e o seu lugar, que cada um desses mesmos acontecimentos são parte de um percurso, dessa tal engrenagem que é activada no momento em somos concebidos, que ganha forma no momento em que chegamos, conscientemente, a este planeta para cumprir o nosso caminho. Quando o fazemos, a ansiedade, o medo, o desespero, a dúvida e a angústia que, tantas vezes, se apoderam de nós, liberta-se, transforma-se em força para continuarmos em frente, em amor profundo por nós mesmos e pelos nossos desafios.
Amar-nos implica conseguirmos amar a nossa luz e a nossa sombra ao mesmo tempo, implica saber amar e celebrar os bons momentos, mas também amar, respeitar e aceitar os menos bons, os mais dolorosos e os mais desafiadores. Amar a beleza é simples, mas ter o mesmo sentimento por algo que nos faz uma dor é, muitas vezes, um desafio maior que a própria situação. No entanto, quando entendemos que ambos fazem parte do mesmo processo, há toda uma consciência que se abre, que nos preenche o coração, que nos alivia o fardo e nos dá alento para a nossa caminhada. Muitas vezes, também, esses maus momentos, essas angústias, pedem-nos escolhas difíceis, implicam decisões dolorosas que, sem dúvida, são essenciais, pois não existe nada mais duro do que viver com um peso dentro de nós, com correntes que nos prendem, nos amarram e nos impedem de dar os passos que precisamos dar na vida que escolhemos.
Como um relógio, magnificamente construído e divinamente impulsionado, a vida se processa. Podemos acertar a hora a qualquer momento, mas, para tal, temos de saber ler a informação que ele nos dá, pois corremos o risco de tentar corrigir uma coisa que está certa, tão simplesmente porque, em vez de lermos o ponteiro dos minutos, olhámos, num pequeno instante, para o dos segundos, e assumimos que estava mal. O relógio da vida é um mecanismo perpétuo, que não termina nessa coisa que chamamos de morte e, da mesma forma, normalmente não começa, verdadeiramente, na concepção ou no parto, pois antes de existir relógio, existiam as peças separadamente, as rodas dentadas, os ponteiros e tantas outras, e todas elas tiveram de ser fabricadas. Contudo, quando o relógio está montado e a vida começa, há um caminho que se desenha, e lutar contra esses momentos é o mesmo que tentar parar o mecanismo bloqueando uma das suas peças, provavelmente, alguma coisa se irá partir.
A engrenagem da vida é, muitas vezes, estranha e incompreensível, é peculiar e intrincada, nem sempre nos deixa com um sorriso na cara, mas, em última instância, talvez seja importante percebermos que foi esse o caminho que, de alguma forma, escolhemos, neste plano ou noutro qualquer, numa escolha do Espírito, num assumir de caminho da Alma, numa aceitação profunda que o corpo faz, como o divino receptáculo que é. Permitirmo-nos aceitar, mas compreendendo, não em resignação e anulação, mas em proactiva dádiva de nós mesmos à nossa vida, leva-nos a entender melhor como cada peça se encaixa, a sua história, o seu propósito. Quando o fazemos, modelamos o tempo dentro de nós, compreendemos como o passado gerou o presente e como o futuro se apresenta aos nossos olhos. Sem mudar o que de forma material se sucedeu, pegamos nas pontas soltas e damos-lhes um rumo e uns nós, reparamos as peças do relógio, fechamos assuntos, tratamos feridas, fazemos, acima de tudo, os perdões necessários, aos outros, às situações, mas, principalmente, a nós mesmos, pois só dessa forma podemos por a vida a andar no caminho certo.
Leonardo Mansinhos
Brilhante!
Obrigada Leonardo, por escrever coisas que a gente sente e sabe que é assim. Mas lêr-lo, aqui com esta profundidade, acertividade e maestria…é maravilhosamente belo e poético!
Abraço!