A crise de meia-idade não existe. Os eventos transformadores e a realização da nossa mortalidade podem atingir-nos em qualquer idade, obrigando-nos a reconsiderar tudo o que aprendemos, assumimos ou pensamos ter como certo. Entrar em crise e ultrapassá-la não é algo que tenha de acontecer apenas entre os 45 e os 55 anos. Pode acontecer em qualquer altura.
Todos vivemos numa linha entre o caos e a rigidez. Se formos demasiado rígidos nas nossas estruturas, limitarmo-nos com demasiadas regras e mantivermos todos os nossos sentimentos controlados, é possível que chegue um período em que estes sentimentos se revoltem e se libertem da prisão em que têm vivido. Ao acontecer entre os 45 e os 55, então, é possível atribuir-lhe algum significado, chamando-lhe de “crise da meia-idade”, para assim conseguirmos construir uma narrativa em torno desse acontecimento.
Todos adoramos catalogar as nossas experiências com um diagnóstico. É assim que conseguimos renegar os acontecimentos como se fossem um vírus que nos atacou, em vez de os aceitarmos como parte do nosso ser e do nosso desenvolvimento. Não chegamos a adultos e paramos de nos desenvolver. Encontramo-nos, sim, mais aptos para responder às nossas circunstâncias, ao nosso ambiente e às mudanças no nosso corpo.
Ao tornarmo-nos adultos, temos de continuar a aprender, a adaptarmo-nos e a trabalhar com os desafios que a vida nos apresenta, em vez de ficarmos desiludidos, quando um objecto imóvel no nosso caminho não se molda à nossa vontade. A única certeza na vida é a mudança, portanto, se conseguirmos estar atentos ao que nos rodeia, planearmos o que pretendemos atingir no nosso caminho e aceitarmos que é impossível planear para tudo o que nos for apresentado, é possível que todas as fases de crise que venhamos a viver sejam vividas de forma mais leve.
Da mesma forma que existem pessoas que experienciam demónios interiores, como a Ansiedade, a Depressão, ou a Paranoia, existem aspectos stressantes em todas as etapas da nossa evolução: entrar na faculdade, encontrar um trabalho de que gostemos, mantermo-nos num emprego que odiemos, conflitos, procurar a cara-metade, desejar filhos, sentirmo-nos presos no papel de pais, preocupações financeiras, preocupações com a casa, solidão, relevância, significado, lutar para alcançar objectivos muito grandes, mais dinheiro, corpos mais fortes, uma vida sexual melhor, ou uma pele mais cuidada. À medida que vamos vivendo, ou já chegámos à conclusão que nenhuma destas coisas é assim tão relevante e atribuímos-lhes diferentes significados, ou então, decidimos que são coisas de extrema importância, mas que somos um falhanço, porque ainda não as alcançámos.
Ou pior, ultrapassamos todos estes desafios, mas não conseguimos alcançar o prazer que pensávamos vir a ter. Possivelmente, iremos viver uma crise, mas esta pode ocorrer tanto aos 25, como aos 55. Para além disso, a qualquer momento da nossa vida podemos ser desafiados a reconciliarmo-nos com a imagem que temos sobre o nosso Eu interior e aquilo que deixamos que se reflicta no exterior.
A “crise da meia-idade” não é uma certeza biológica, como a menopausa ou a morte, mas, caso vivamos uma crise existencial, é essencial que sejamos capazes de saborear os resultados finais dessa crise. Com um pouco de trabalho, é possível que consigamos sentirmo-nos confortáveis na pessoa que somos, que sejamos mais autênticos connosco mesmos e que sejamos corajosos o suficiente para sermos quem somos na realidade, em vez de continuarmos a seguir os mesmos padrões de sempre e que não nos trazem a satisfação e a felicidade que procuramos.