Olhar para nós, para as questões que, no nosso percurso, precisamos de encarar e resolver, nem sempre é fácil. Muitas vezes, com medo ou receio do que podemos ver, dum lado negro de nós mesmos, que existe e que tem de ser integrado, recusamo-nos a ver o espelho que o mundo à nossa volta nos dá, que está nas situações e nas pessoas. Na verdade, é dessa forma que mergulhamos e nos deixamos invadir no nosso lado mais negro e obscuro, que nos domina e, lentamente, nos vai destruindo, e uma das formas mais simples e directas que o fazemos é através da constante preocupação pelos outros.
Deparo-me, muitas vezes, com pessoas que vivem preocupadas com toda a gente. Seja o marido ou a mulher, os filhos, os pais, os amigos, os sobrinhos, os primos ou até os vizinhos do lado, entregam-se à constante preocupação com o bem-estar e com o caminho desses seres que, invariavelmente, no seu entendimento, percorrer trilhos negros e que não os irão levar a lado algum, muitas vezes com influências exteriores de outros factores ou pessoas. O que não se apercebem é que, na realidade, são elas próprias quem está num outro caminho que não o seu, embrenhados na escuridão, não dos outros, mas de si mesmos, a viverem uma vida de anulação e autodestruição.
A preocupação é uma máscara perniciosa, que nos confere a imagem de benfeitores perante as adversidades que outros escolheram para os seus caminhos. No entanto, a preocupação é a carência, o desligamento de nós mesmos e a anulação do nosso caminho transvestido de cuidado, de amor e dádiva. Sem nos apercebermos, quando nos preocupamos, não estamos a cuidar, estamos a viver algo que não é nosso, não estamos a dar amor, estamos a impor uma ideia de caminho que temos na nossa mente.
Cuidar é, verdadeiramente, amar, e tal não implica a vivência do trajecto do outro. Frequentemente, quem se preocupa não cuida de si mesmo, não busca estar bem, busca sim um sentido para a sua própria vida através de colocar umas peças de um puzzle que não é seu no lugar que acha que deve estar. Na verdade, a preocupação é um mascarado e pernicioso mecanismo de controlo, que nos torna vítimas, pois, depois, invariavelmente, algo de mal passa-se nas nossas vidas.
O Amor que é dado quando cuidamos é aquele que nos faz estender a mão para que o outro saiba que estamos ali, mas em que temos a capacidade de continuar em frente e olhar, primeiro, para nós, para a nossa vida, para as nossas questões, ainda que possamos tirar algo de nós para que o outro possa encontrar um caminho, um alento, um pouco de esperança. Cuidar é, na verdade, aceitar o caminho do outro, os tropeções que ele dá, as quedas que terá de ter, sem julgamento ou crítica, mas com a capacidade de não vivermos o seu problema ou o seu caminho, sem ceder à tentação de, pelo amor, carinho ou ligação que temos com esse ser, por afinidade sanguínea, de amizade ou de alma, impedir que viva o que tem de viver, o que escolheu viver, o que se propôs a experienciar.
Acredito que somos verdadeiros cuidadores quando compreendemos que o outro é um espelho profundo e real de nós mesmos, que os seus problemas, aqueles que mexem connosco e nos fazem ressonância, são o reflexo de um caminho percorrido, de escolhas feitas, num perpétuo encadear de causa e efeito, mas que também são as nossas próprias questões. Por isso, cuidar do outro é dar-lhe o melhor de nós e, por isso mesmo, é primeiro preciso cuidar de nós mesmos, e que quando o faço, percebo que foram as minhas escolhas e decisões que construíram o meu caminho, e que ele levou-me onde estou, a quem sou. Cuidar, no fundo, é expressão de Amor, o verdadeiro, profundo e real, não a carência, não o amor condicionado, que faz algo para, no fundo, receber outro algo em troca, mas sim aquele que nos permite darmo-nos sem expectativas, darmo-nos porque esse é o nosso caminho, o nosso propósito, mas sempre cuidando, primeiro e acima de tudo, de quem somos.
Leonardo Mansinhos