Por estes dias, nos céus, vivemos um momento peculiar, de energia densa e, de certa forma, conflituosa ou até um pouco ilusória. Sol, no signo de Gémeos, e Saturno, no signo de Sagitário, no seu movimento retrógrado, opõem-se e, apoiados por outras conexões celestes, trazem até nós ideias e pontos de vista aparentemente opostos e obrigam-nos a confrontar-nos com duas faces duma mesma moeda.
Sol e Saturno são dois opostos duma mesma esfera energética. Sol é a essência do nosso Espírito encarnado, aquele que, reflectido na matéria, traz-nos a nossa identidade, o nosso brilho pessoal. Por seu lado, Saturno, o senhor do Tempo e do Karma, é o limite que a matéria nos impõe, a necessidade de conquista dessa mesma limitação para que possamos encontrar os tesouros que existem em nós mesmos; ele é, no fundo, uma expressão parcelar do nosso Ego, que nos sustenta, sim, mas que, com excesso de poder, nos afunda e nos bloqueia.
No fundo, por estes dias, estamos a ser confrontados, nomeadamente em termos mentais, com as nossas próprias limitações, com algumas frustrações e anseios. Na nossa mente procura-se uma forma perfeita de ultrapassar as nossas prisões e de encontrar uma certa liberdade que, temos de ter atenção, pode ser idealizada. Contudo, é preciso entender que a maior liberdade que poderemos alguma vez encontrar não é a que a matéria nos dá, mas sim a que a nossa consciência nela tem gravada.
Quando fugimos da nossa essência e esquecemos o que o nosso coração nos diz, deixando o nosso ego tomar conta do nosso caminho, perdemos toda a nossa liberdade, ficamos aprisionados ao que pertence à matéria e corremos o risco de, para sempre, nos perdermos. É preciso recordar Ícaro, que vivia com o seu pai, aprisionado na Ilha de Creta, onde tinham construído o labirinto para o Minotauro, e que, após a morte deste, encontraram uma forma de escapar daquela prisão. Construíram umas asas que lhes permitiam voar para fora dali, mas Ícaro, fascinado pela sua ambição de chegar ao Sol, ignorou os conselhos do pai, que o avisou que se se aproximasse demais, a cera derreteria e ele cairia. Da mesma forma, se se aproximasse muito do mar, as asas ficariam demasiado pesadas e ele afundar-se-ia. A ânsia de chegar ao Sol levou à queda de Ícaro no mar e à sua consequente morte.
O caminho que nos leva à Luz é o mesmo que nos encaminha até à Sombra, o que difere são as escolhas que em cada momento fazemos, a consciência que temos sobre nós e sobre a nossa vida, as ilusões que nos permitimos retirar e a verdade sobre nós que escolhemos assumir. É a tomada de consciência, a integração da verdade e a aceitação profunda do caminho que estamos a percorrer que nos permite sermos livres, ainda que, muitas vezes, as condições da matéria nos criem amarras, nos confinem a um determinado ponto ou espaço, ainda que a vida nos coloque os maiores desafios.
A liberdade é o fruto da integração do que somos com o caminho que percorremos, aceitando a aprendizagem que nos é oferecida, compreendendo o que nos está a ser proposto viver e trabalhar nesse sentido, deixando todos os sentimentos mais pesados virem ao de cima, mostrarem a sua face, a sua dinâmica, para que os possamos curar e transformar, pois eles são, também, potenciadores da nossa Luz. É preciso, por isso, respeitar a matéria, as limitações que ela nos impõe, os obstáculos, as barreiras, os degraus, compreendê-la e trabalhá-la em nós, descodificando a razão da vivência humana, terrena, densa, com tudo o que ela tem para nos dar. Quanto mais fugimos do propósito que nos trouxe à Terra, mais fugimos da nossa liberdade, criando um sofrimento dentro de nós que, com o passar do tempo, se torna uma ilusão duma suposta liberdade.
Então, é a consciência a verdadeira chave da porta que nos dá acesso ao mundo livre que ansiamos, pois, no fundo, essa busca incessante que, de várias formas, todos nós vivemos, nada mais é do que o reflexo da eterna necessidade de retornarmos ao Pai, à Fonte, de expandirmos o Espírito até ao Eterno, mas tal só pode acontecer quando nos propomos a expressar a nossa Alma, a sua entrega, a sua dedicação a uma evolução, a um ser mais do que nós mesmos, a ultrapassar a matéria, não no seu aspecto mais denso, mas sim no seu significado simbólico, ou seja, a permitirmo-nos sermos criadores, ainda que as condições não sejam as mais propícias, a sermos um reflexo de Deus na Terra. Contudo, tal só pode acontecer quando abrimos, sem medos, dúvidas ou anseios, o coração ao nosso caminho.
Leonardo Mansinhos