Os últimos dias têm sido de muito sofrimento, muita consternação, muitas lágrimas, indignação e dor. A situação de calamidade que tem assolado uma parte demasiado grande do nosso país, com dezenas de pessoas mortas e muitos mais feridos, tem mexido com todos e com cada um de nós. Ainda que este seja um momento de luto e de sentimentos intensos, por vezes exaltados, como se podem verificar nas redes sociais, o grande palco duma suposta expressão de liberdade e de identidade de hoje, ainda que seja também, ainda, um tempo de auxílio e solidariedade, também é o tempo de reflectir, de mergulharmos nestes sentimentos que nos têm invadido e compreender o porquê de eles tanto mexerem connosco.
Há poucas horas, bem próximo do nascer do Sol, vivemos o Solstício de Verão (no hemisfério norte), com o Sol a entrar no signo de Caranguejo e a trazer-nos o impulso do signo cuidador, do signo da criação, da gestação, da maternidade. Com tudo o que temos vivido nestes últimos dias, o ingresso no signo de Caranguejo é o símbolo perfeito para o mergulhar nas emoções que estão agora à flor da pele e entender aquilo que há tanto tempo nos tem sido mostrado, mas que há tanto tempo insistimos, de forma global, em perceber, em integrar, em aceitar, pois isso implica deitar abaixo muitas das crenças, das bases supostamente sólidas em que construímos os nossos frágeis caminhos. É tempo, acima de tudo, de compreender o verdadeiro valor da vida.
Maior parte de nós, aqui na Terra, passa os seus dias em mera sobrevivência, digo isto muitas vezes. Desconectados do seu espírito, da beleza da sua centelha divina, arrastam-se pela Terra em busca dum sentido material, terreno e efémero. Igualmente desconectados da energia da Mãe Terra, pairam no ar da densidade terrena e criam ilusões materiais, que servem de alimento a uma sobrevivência que, muitas vezes, dura uma vida inteira. Continuamos ininterruptamente, a viver em função da matéria, e a perder a vida em função dela também. Em função dessa busca de bases, de solidez, de posses, mesmo que nessa busca não as aproveitemos, mas vivamos na felicidade aparente de deixá-la para alguém, desrespeitamos a Mãe Terra, desvirtuamos a sua sabedoria, desrespeitamos também a vida, qualquer uma, humana, animal ou vegetal, e depois surpreendemo-nos quando a vida é ceifada à frente dos nossos olhos, impotentes e, acredito que por isso estejamos a sentir tão fortemente os acontecimentos destes dias, com fortes sentimentos inconscientes de culpa.
Talvez esteja na altura de nos questionarmos o que vale a vida, o que isso implica, o que somos e o que viemos cá fazer. Nesse questionamento, é também o tempo de olharmos para o mundo em que vivemos, para o planeta, para a natureza, para o irmão que ao nosso lado coabita este espaço, para aquele irmão que perdeu a vida, para aquele que dá a sua vida para ajudar o próximo, para aquele que vive nas ruas, para aquele que chora sozinho em casa, para aquele que vive em solidão, para aquele que sofre num hospital; no fundo, para todos e para cada um. É tempo de olharmos para o que nos rodeia, mas também para nós mesmos, numa profunda e sincera atitude de respeito, de compaixão, de amor e perdão. Mais importante, agora, que apontar os dedos aos políticos, aos governantes, à comunicação social ou seja a quem for, é colocar a mão na consciência e questionar o que cada um de nós tem feito, como se tem entregue ao respeito por si mesmo, pela sociedade em que está inserido, pelo mundo que a rodeia. Se formos sinceros, vamos encontrar, todos nós, respostas que não iremos gostar, mas que são importantes. Se formos sinceros, os gritos de revolta contra tudo e todos irão acalmar-se e verdadeiramente saberemos auxiliar aqueles que sofrem, os vivos e os mortos, os que dão as suas vidas em cada momento para resolver o assunto, os que tentam resolver um problema que está para lá do seu alcance. Se formos sinceros, o silêncio que desse calar surgirá, transformar-se-á em sincera oração, em verdadeira ajuda, em atitudes carregadas de paz, de amor, de entrega, não conterá em si uma gota de raiva ou revolta, mas serão sim atitudes de vida. São essas, verdadeiramente, que criam os milagres, que salvam vidas quando parecia impossível haver salvação, que curam corações e almas. É nessa atitude, de profundo amor e esperança, que todos os passos devem ser dados, que todas as ajudas devem ser direccionadas. É nessa atitude que, como o signo de Caranguejo nos pede, devemos abraçar e cuidar do nosso irmão, acarinha-lo, coloca-lo no nosso colo e amá-lo, como o Mestre nos amou.
Leonardo Mansinhos