Uma das mais árduas e complexas tarefas que necessitamos de fazer ao longo da nossa caminhada é, sem dúvida alguma, o perdão. Acredito que é, muito provavelmente, a mais dolorosa e a mais dilacerante das provas que o nosso percurso nesta vida nos pede, principalmente porque nunca é um caminho único, e ainda que tenha várias vias e inúmeras bifurcações, tem sempre dois sentidos.
Perdoar é, acima de tudo, amar. Não a outra pessoa, mas a nós mesmos, num amor tão profundo que nos recusamos a carregar em nós algo que nos pesa e nos consome, que, ainda que doendo, não podemos continuar a ter em nós, destruindo-nos a cada instante, impedindo-nos de sermos felizes. O perdão, por ser um profundo acto de amor, é, primeiro e acima de tudo, para nós, nunca em função do outro, pois o peso da mágoa, da dor, do rancor e da raiva é no nosso coração que se funde, que nos prende e nos torna pedra.
Vivemos numa sociedade cheia de moralismos, que vive de aparências, de bem parecer, de, como se costuma dizer, “bate no peito” constante. O espectro religioso mais pernicioso continua em nós, do julgamento, do apontar de dedo, do pecado que deve ser identificado, mostrado e castigado. Contudo, acredito que aquele que mais julga, que mais aponta dedos, critica e atribui culpas, é também aquele que mais pesos carrega em si, mais dor, mais revolta, mais mágoas, mais falta de perdão. É esse também quem mais necessita de amor, de perdão, não do perdão do outro, de nós, mas sim de si mesmo.
Quando Pedro questiona o Mestre sobre quantas vezes se deve perdoar, este responde-lhe setenta vezes sete, um simbolismo para mostrar que o acto do perdão é eterno e infinito, pois é um acto de profundo amor, um acto divino. Perdoar é, como referi atrás, amar-nos, pois não é algo que fazemos pelo outro, mas sim por nós, pois se temos em nós sentimentos que necessitam dessa atitude, é porque eles nos consomem e nos atormentam, que, sim, podem ter sido despoletados pela atitude de outro, talvez até de alguém que muito amamos, que nos magoou, que foi injusto connosco, mas que está no nosso coração e na nossa mente.
O perdão não é, por isso, um sentimento, mas sim uma tomada de consciência, uma integração profunda entre o terreno e o divino em nós que nos leva a compreender um caminho, uma atitude, uma postura, e a libertarmo-nos de algo que, até àquele momento, nos pesava e nos impedia de avançar, como correntes que nos amarravam. Ainda que direccionemos o perdão a alguém, a uma situação, a um acontecimento, a verdade é que o temos de fazer por nós, para a libertação do nosso ser, para a elevação da nossa consciência.
Perdoar implica compreender, entender e integrar um caminho, uma aprendizagem, uma vivência, aceitando-a na sua plenitude, em tudo aquilo que ela nos ofereceu e nos permitiu transformar em nós, pois nada nas nossas vidas é fruto de um acaso ou de uma fatalidade, mas sim de uma semente plantada num qualquer momento das nossas vidas. Quando nos permitimos viver o perdão, elevamo-nos um pouco mais, libertamo-nos um pouco mais do que a densidade terrena nos traz e abrimos a nossa mente e o nosso coração a uma nova consciência de Luz. Quando nos permitimos viver o perdão tocamos, invariavelmente, um pouco mais do divino em nós.
Leonardo Mansinhos