Muitas vezes, no meio dos espinhos e dos cardos, no meio dum cenário desolador, há uma lindíssima flor que surge, que desabrocha, mesmo que seja por poucas horas, por poucos dias ou minutos, mas que nos lembra que existe beleza em tudo o que vive, em tudo o que existe, que tudo tem um propósito e um sentido, que temos de ter disponibilidade para vislumbrar. Da mesma forma, é preciso percebermos que a vida é profundamente sábia no que nos traz e para onde nos encaminha, mesmo quando os caminhos parecem errados ou sinuosos.
Arrisco dizer que é precisamente nessas situações que a vida se revela mais sábia e mais generosa, ainda que raramente tenhamos a capacidade, imediata ou, pelo menos, rápida, de ter compreensão de tal coisa. No entanto, é quando o conseguimos entender que muitos véus se rasgam, muitas barreiras caem e que temos a capacidade, sem dúvida, de subir os mais duros degraus da nossa escada.
A verdadeira, grande e profunda mestria que a vida nos ensina nem sempre vem por lições bonitas e parábolas floridas, mas sim por desafios, por dor, por processos intensos, que nos quebram, que nos pedem rendição, pois só assim conseguem cumprir o seu propósito, o de nos libertarem do que não necessitamos, de deitar abaixo estruturas caducas e ultrapassadas. Contudo, estes processos são sempre difíceis e árduos, contrários à suposta natureza humana de estrutura, segurança e imutabilidade.
Se olharmos à nossa volta, nomeadamente para a Natureza, vemos que a coisa mais permanente que existe é a mudança, e, por norma, ainda que numa dimensão muito diferente da que temos percepção nas nossas vidas, essa mudança é feita de forma muito bruta, muito impetuosa e implacável. Tudo na Natureza sabe que nada é eterno ou permanente na matéria, não porque assim lhe foi ensinado, mas sim porque está no seu registo celular e energético, não porque sentem ou pensam, mas sim porque sabem, duma forma que ultrapassa a rigidez desta dimensão, e é isso que lhes permite serem tudo o que se propuseram ser.
Perante tudo o que a vida nos apresenta, o grande desafio é de permanecermos em nós mesmos, em quem somos, em quem nos propusemos ser nesta vida. É nessa consciência, que pede trabalho constante e intenso, muita dedicação e compromisso, que somos capazes de nos libertarmos das nossas próprias prisões, dos medos que nos bloqueiam. Quando não trabalhamos em nós, quando não nos compreendemos e não nos desafiamos a evoluir, os medos irão, invariavelmente, surgir e consumir, irão tomar a forma de manipuladores, irão tornar-nos suas vítimas, irão encontrar peças de um xadrez para serem jogadas e enrolarem-nos nas suas correntes viciosas.
Perder os medos é voltarmos à nossa essência, ao nosso Eu, não por irresponsabilidade de quem se está a “borrifar” seja para o que for, mas sim pelo profundo compromisso de confiar no caminho feito, de se entregar a uma força maior que é a de saber, no íntimo do seu ser, que o desafio, por muito doloroso que seja, é um trilho que necessita de ser percorrido, que tem espinhos, que existem escarpas, que é fácil perdermo-nos, mas que a maior bússola que podemos ter é a consciência de quem somos e o amor que existe dentro de nós, primeiro e acima de tudo, por nós mesmos.
Trabalhar em nós não nos retira problemas nem nos impede de passarmos por dificuldades ou obstáculos, mas tira-lhes os véus, revela as suas verdadeiras faces, os seus contornos, mostra-nos o sentido de cada coisa e permite-nos aceder à tal consciência que a Natureza tem, a da impermanência, da constante mudança, a da vivência no nosso centro, no nosso Eu, que nos leva à enorme capacidade de arriscarmos tudo com a total certeza de que tal atitude também é um caminho. Este é o grande poder que o desapego tem quando é feito de forma profundamente consciente, que nos dá uma visão da vida, em cada uma das suas situações e circunstâncias, tão abrangente, tão lúcida e clara.
Então, é nesse trajecto que a vida nos oferece as maiores dádivas, como a semente que se liberta e penetra a terra por via do fogo que tudo lavra e destrói, mas que, ao mesmo tempo, gera alimento para a vida. É assim também que entendemos que tudo o que chamamos de dor, sofrimento, de mau e negativo, na verdade, pode ser o motor da vida, de um novo caminho, de um novo despertar, de uma nova verdade, desde que saibamos ver o que existe para lá do que está conhecido e estruturado. No entanto, tal só podemos fazer quando mergulhamos em nós, em tudo o que somos, em toda a nossa dimensão, desde a luz até às sombras, integrando cada uma destas parcelas e, assim, renovando as forças para subir cada um dos degraus que fazem parte da escada que é o nosso propósito.
Leonardo Mansinhos