Imagine-se uma viagem de avião em que a turbulência cria problemas e as máscaras caem. Algumas pessoas ficam assustadas, outras têm muita dificuldade em manter a calma e começam a entrar em pânico, mas nós até conseguimos estar bem e manter o nosso foco, estando mesmo disponíveis para ajudar essas pessoas. No entanto, uma pergunta impõe-se perante este cenário: qual a primeira coisa a fazer? A resposta é simples e apenas uma – antes de ajudarmos seja quem for a pôr a máscara e a manter a calma, precisamos nós de o fazer, pois, sem isso, não iremos ter a capacidade total de fazer a nossa parte.
A Natureza e a vida, nas suas mais diversas formas, ensinam-nos que é preciso colocarmo-nos em primeiro lugar para poder fazer mais e diferente, que é preciso primeiro cuidarmos de nós se queremos cuidar dos outros. Duma forma muito simples, percebemos que uma mãe, para poder amamentar o seu filho, tem primeiro de se alimentar, de se cuidar e preservar, pois só dessa forma poderá nutrir uma criança e dar-lhe a possibilidade de crescer e de vingar no mundo.
Contudo, o mundo em que vivemos ensinou-nos que colocarmo-nos em primeiro lugar é, muitas vezes, errado, uma manifestação de egoísmo ou de ambição desmedida. Esse pensamento é castrador e carregado de complexos de culpa, de responsabilidades mal definidas e dimensionadas, que nos leva a deixarmos de nos valorizar e de acreditar em nós, a não reconhecermos quem somos e, dessa forma, não nos sentirmos merecedores do muito que a vida tem para nos dar.
Colocarmo-nos em primeiro lugar não é um acto de egoísmo, mas sim uma necessidade, pois isso significa permitirmo-nos darmo-nos as condições necessárias para podermos fazer mais, para podermos marcar a diferença, por nós e pelos outros. Tornamo-nos egoístas, sim, quando o fazemos sem noção do limite, quando, para lá chegarmos, passamos por cima de todos, esquecemo-nos dos outros, quando não temos em consideração o fio que nos liga a todos os seres neste planeta e neste universo.
É preciso estarmos em primeiro lugar nas nossas vidas para podermos ter as condições de conquistarmos o nosso caminho, para podermos percorrer o nosso trilho e, dessa forma, cumprir com uma premissa básica da existência terrena, a de manifestarmos o nosso espírito e dar o que de mais único e especial existe em nós, assumindo e respeitando, assim, a nossa individualidade, a nossa Centelha Divina. Não o fazer leva-nos a um caminho de anulação e apagamento progressivo, a uma sombra de nós mesmos que, invariavelmente, em algum momento, se transformará em mágoa, dor, rancor e ódio, que nos levará a um coração pesado e desconectado da beleza da vida.
A vida é plena e próspera, bela e rica, com muito para nos dar. No entanto, tal só é possível de atingir quando nos vemos integrados na vida, quando saímos dos nossos padrões de sobrevivência, quando assumimos a nossa verdade, a nossa força, a nossa Luz. Quando tal acontece, activamos em nós a Vida, a sua magia e a sua beleza, resgatamos o que é nosso, não por direito, mas sim por dever perante nós mesmos, em plena integração com todos os seres, também eles, idealmente, na mesma sintonia.
Colocarmo-nos em primeiro lugar é estarmos no nosso caminho, no nosso propósito, conquistando o topo da nossa montanha, vislumbrando tudo o que nos rodeia, como um território que nos pertence e do qual podemos recolher frutos. Dessa forma, pelo nosso exemplo, poderemos activar a chama do espírito que nos habita e transformarmo-nos em verdadeiros faróis, sendo reais orientadores dos caminhos daqueles que necessitam de nós. Não podemos levar os outros ao topo das suas montanhas se não o fizermos também por nós. Não podemos querer que o outro, seja ele quem for, abra os seus olhos se não o fizermos, até porque, como nos disse o Mestre, na sua parábola, só podemos ajudar a tirar o argueiro do olho do nosso irmão depois de tirarmos a trave do nosso, ou seremos hipócritas perante ele e perante nós.
É o exemplo que inspira, é a força que motiva, é a vida que gera a vida, assim como a luz gera mais luz. Alinharmo-nos com o nosso propósito implica, acima de tudo, colocarmo-nos nesse topo da nossa montanha, onde temos bases para estender uma mão e ajudar quem quisermos, onde poderemos, conscientemente, fazer todos os sacrifícios, em plena aceitação e resignação, em plena vida, e com isso gerar mais amor, mais luz, mais força, tornando-nos uma verdadeira pedra basilar, uma rocha, no mais belo e profundo sentido da vida.
Leonardo Mansinhos

