A árvore que consegue suportar as agruras do tempo e as intempéries é aquela que tem as raízes mais fundas, mais fortes e sólidas. Quando assim é, podem vir ventos e tempestades, chuvas avassaladoras, até incêndios ou a maldade humana, que a árvore aguentará ou, se for necessário, renascerá. Da mesma forma, quando as nossas bases, quando as nossas estruturas pessoais, são sólidas, profundas e bem colocadas, todos os desafios da vida poderão abanar-nos, até fazer-nos vergar, mas dificilmente quebraremos.
Ao longo dos tempos, das décadas, de geração em geração, a Humanidade foi-se perdendo num desenraizamento muito intenso, sem noção sequer do que estava, verdadeiramente, fazendo. À medida que nos fomos desconectando da Natureza, da nossa raiz energética comum, da nossa Mãe Terra, maltratando-a, abusando dela, fomos também, sem sequer nos apercebermos, desmembrando-nos das nossas próprias raízes, destruindo as nossas conexões humanas, ancestrais.
Famílias perderam as suas ligações pela ignorância, pelo egoísmo, pela necessidade de controlo, e os desafios que transitaram de pais para filhos, desafios necessários à evolução das várias partes, tornaram-se padrões bloqueadores e construíram machados de guerra que cortaram violentamente raízes. Quando cortamos as raízes, dificilmente conseguiremos renascer, dificilmente conseguiremos preservar a nossa própria estrutura e integridade, morrendo, lentamente, pois o tempo que levamos a reconstruí-las é muito superior àquele que temos para sobreviver. Não percebemos, muitas vezes, que não se trata de cortar raízes, mas sim arrancarmos a árvore na totalidade, limpar o que for preciso, purificar e curá-la, transplantando-a para um terreno mais fértil, onde poderá gerar mais vida.
Várias vezes tenho referido que os últimos séculos foram de profunda desconexão, não só das nossas raízes terrenas, como também das “raízes” espirituais. Este desligamento embruteceu-nos enquanto seres humanos, colocou pedras nos nossos corações, fez-nos desrespeitar, de forma horrenda, o nosso semelhante, assim como todos os nossos outros irmãos, aqueles que pertencem a outros reinos que não o humano. Como uma enorme doença que se espalha, empedernimos também os nossos olhos, a nossa mente, a nossa voz, ficámos muito presos à matéria e toda a maravilhosa Luz do Espírito que nos habita apenas consegue sobreviver por umas pequenas falhas que vão surgindo, de tempos a tempos, ansiosa por poder quebrar, definitivamente, essa prisão.
O tempo que vivemos, com todos os desafios que nos estão a ser colocados, e onde, neste momento, somos confrontados com energias densas, fortes, intensas e poderosas, criam falhas e tensões que ajudam a quebrar partes importantes dessas pedras que nos absorvem e rodeiam. Em muito pouco tempo somos confrontados com uma pandemia, com a evidência de desigualdade, de violência, de racismo, de todo o tipo de discriminação que revela a ignorância que nos assola. As mortes, as partidas do plano terreno, daqueles que nos são queridos, daqueles que podíamos não conhecer pessoalmente, mas que admirávamos e acompanhávamos, por doença, por desistência, por sofrimento, aliadas a um voltar para dentro obrigatório, consciente ou inconsciente, que a vida nos impôs, amplificam a turbulência que já nos andava a incentivar à mudança há muitos anos.
Quando as raízes enfraquecem ou são cortadas, os frutos são também diminutos e muito frágeis, e é isso que vemos à nossa volta, quando percebemos, por exemplo, que, neste momento, tão grande é o problema entre os mais velhos, mais fragilizados, empurrados pela sociedade, quando não mesmo por própria responsabilidade, fruto das gerações que os precederam, muitas vezes, para isolamentos, para a inutilidade, como também o é a irresponsabilidade dos mais novos, também eles desconectados por pais e por uma sociedade mais preocupados com coisas que, por muito importantes que sejam, nunca o são mais do que o amor que eles necessitam. No fundo, os mais velhos e os mais novos, o nosso futuro e o nosso passado, são o reflexo do que, também nós, necessitamos: amor, compaixão, tolerância, compreensão, afecto, carinho, colo, um abraço.
O mundo, a vida, o tempo, os céus e os astros apelam-nos a uma mudança profunda, a uma tomada de consciência individual que se projecte para o colectivo, a um criar e um cuidar de raízes, a uma conexão do coração com a mente para que elas sejam o grande incentivador da nossa acção, das nossas atitudes, da nossa caminhada. É certo que o mundo não vai mudar dum dia para o outro, provavelmente nem sequer numa geração ou duas, e não é isso, certamente, o que é pedido. A única coisa que nos é solicitada, individualmente, é que coloquemos a mão no coração, que olhemos para dentro de nós mesmos, ao mesmo tempo que abrimos o olhar da consciência para o mundo que nos rodeia, que toquemos o chão da Terra que nos acolhe com a nossa mão e os nossos joelhos, que sintamos a vida que nos habita e a honremos, em cada momento. Nesta postura, nesta atitude, estamos preparados para dar o próximo pequeno passo, para mudar pequenas coisas que, uma após a outra, mudarão progressivamente a nossa realidade.
Leonardo Mansinhos