É mais fácil não sentir. Passar pela vida sem permitir que o nosso corpo ressinta as dores que trazemos na alma. É mais fácil não parar para pensar, não parar para perceber o que sentimos por determinadas pessoas, não parar para perceber que sentimos falta de tantas outras. Não parar. Não pensar. Não sentir. Não sofrer.
Vivemos inebriados. Ofuscados. Desorientados. Dormentes. Essa dormência acompanha-nos ao longo do dia-a-dia, da rotina imparável que vivemos. E é por isso que, quando nos permitimos sentir, choramos, sofremos, gritamos, não sabemos lidar com o que se passa dentro de nós. É difícil lidar com algo que passamos o dia a tentar negar. E é, normalmente, à noite que tudo nos assombra. O medo, a saudade, o amor, a ansiedade, o nervosismo, a tristeza.
Tudo nos assombra à noite, antes de dormir, quando deitamos a cabeça na almofada e não pensamos em trabalho, em aulas, em estudos, em contas para pagar ou em problemas que tentaremos resolver amanhã, sempre amanhã. É quando temos a mente vazia de preocupações que tudo nos magoa, tudo nos faz sentir, tudo nos causa tristeza. Tentamos desviar o pensamento, mas não conseguimos. E pensamos naquele amigo que perdemos, naquele amor que já não o é, naquele sonho que não conseguimos realizar.
Quando tentamos reprimir aquilo que sentimos por percebemos como é tão negativo para nós – medo, ansiedade, tristeza, desmotivação, stress, perda, fracasso, ressentimento, frustração, o que acontece é que ainda tornamos essa dor pior. Classificamo-la como algo terrível que não devemos sentir. Ou porque não é nada agradável ou porque estamos obcecados em estar sempre bem. A felicidade torna-se o nosso objetivo de vida e tudo o que a estrague merece o nosso desprezo.
Para anestesiar a dor que sentimos, compensamos com outros excessos. Para superar a falta de algo, voltamos o nosso foco para outro lugar, gerando muitas vezes vícios ou felicidades passageiras e ignorando o que, ainda que difícil, precisa da nossa atenção.
Os sentimentos negativos que tantas vezes surgem na nossa vida servem de aviso. Aviso para mudarmos algo na nossa atitude ou forma de ver o mundo. Aviso para mudarmos as nossas prioridades ou para aprendermos algo. Podem ainda servir para nos apercebermos das coisas positivas que existem à nossa volta, nem que seja o reconhecimento pelo contraste.
Quando negligenciamos ou tentamos anestesiar o que sentimos, esse sentimento aloja-se em nós e vai sendo negado e reprimido. Gastamos a nossa energia a tentar combatê-lo ou ignorá-lo, mas a verdade é que os sentimentos negativos são desencadeados por alguma razão. E perceber esse sentimento é importante para o ultrapassar.
Se o ignorarmos, estamos apenas a mascarar a dor, acabando com ela naquele momento, mas apenas adiando o inevitável: uma explosão mais forte que será desencadeada da próxima vez.
Focar a atenção sempre nos aspetos positivos altera a nossa perspetiva de vida e forma de encontrar soluções para os problemas que surgem. No entanto, recalcar aquilo que sentimos por estarmos tão obcecados com a felicidade pode acabar por ter em nós o efeito contrário.
Aceitar todos os sentimentos não é o mesmo que nos centrarmos apenas no que é negativo à nossa volta. É, sim, aceitar aquilo que sentimos, perceber a causa e tentar encontrar uma solução, sem nunca esquecer que não é um aspeto negativo na nossa vida que vai anular tudo o que de extraordinário existe ao nosso redor.