Nos olhos conseguimos ver a exactidão da loucura que neles reside. São, como quem já disse, o espelho exacto da alma.
Nos olhos dos outros conseguimos perceber a sanidade ou a ausência, do olhar que nos foca, mas não nos vê, de como quem se perde em caminhos que podemos tentar percorrer em conjunto, mas que em demasiada ousadia não podemos permitir-nos entrar. No olhar que nos fixa vejo também o nosso eu.
É curiosa esta história da mente. Quase dramática a possibilidade remota de aceitarmos que necessitamos de ajuda ou que, quem está ao nosso lado, poderá precisar da nossa. Porque antes de ajudarmos em caminhos temos primeiro de aceitar. E para aceitar é preciso, acima de tudo, compreender. Pôr-nos no papel dos outros. Perceber que irão existir julgamentos e apontares de dedos, gratuitos e andrajosos, com os quais teremos de lidar.
Os olhos vagos e perdidos mostram que a mente também o está. Que a alma deixou de ter uma morada completa e vagueia sem sentido. Que o ser, que muitas vezes é-nos próximo e amamos, irá precisar de apoio que nos falta, em tantas alturas, em doses de ânimo e confiança.
A mente perdida causa os piores medos. O medo de não se saber lidar, não se compreender, não se ter força suficiente e vencermo-nos em cansaços. Chamamos-lhes os loucos, os malucos, achamos que os medicamentos são demais, pobres coitados, como deve ser difícil, a depressão não existe, a ansiedade, pânico e esquecimentos são apenas sinais de uma sociedade que gosta de dar tantos nomes às coisas.
Achamos que os cansaços da alma são sinais dos fracos e deixamos, muitas vezes, quem se perde em si mesmo, completamente sozinho.
Não raras vezes ouvimos comentários semelhantes a “está completamente louco, não estou para aturar, já me bastam os meus problemas”, ou pior ainda, “tudo isso é da tua cabeça”.
Às vezes é. É mesmo tudo da nossa cabeça. Poderá ser da nossa ou de alguém que amamos muito. Pior, em grandessíssima escala nem nos apercebemos como a cabeça dos outros se encontra. Quando nos apercebemos, poderá ser tarde demais.
Na estranha ausência dos dias, quem se perde no próprio olhar, é perito em esconder. Esconde a angústia profunda em sorrisos, a vulnerabilidade em recata exposição, a raiva de que os outros lhe exijam que se ponha bem, quando, na verdade, só se sente mal e já não sabe o que fazer quanto a isso.
Há muitos olhares que nos passam ao lado. Às vezes, até os nossos. Quando temos medo de pedir ajuda. Quando não nos conseguimos levantar, porque achamos que já não vale a pena. O mal-estar psíquico pode atingir tão grande escala que nos afecta o físico.
A qualquer um de nós o olhar se pode vaguear em inexistências. É preciso estar atento. É preciso perceber que somos um todo e, como um todo, temos de nos ir reconstruindo a cada dia. Que os dedos apontados às vezes nos ferem o olhar ou de quem amamos.
Percebermos que nas fragilidades se encontram as vontades, na fraqueza a força de quem está ainda por nascer. Entender, de uma vez por todas, que não podemos estar sozinhos nem deixarmos de lado aqueles, que por algum motivo, se deixaram vaguear. E que, apesar da dor, se os olhares se decidirem perder em longínquas ausências, compreendermos que fizemos tudo o que podíamos.