É fácil reconhecermos aquela sensação familiar e vazia. Algo parece estar errado, mas não sabemos bem o quê. Começamos a fazer um inventário da nossa vida. Lembramo-nos de todos os trabalhos que tivemos, os salários que ganhámos, o que pensariam de nós algumas pessoas com quem partilhámos o caminho em determinada altura da nossa vida, ou a bela fotografia que publicámos no Facebook na semana passada. Cada peça, quando juntas, formam uma imagem que deveria anular esse vazio.
E, no entanto, continuamos a nossa vida paralisados pela dor que esta sensação nos causa. Ela vai aumentando até que colide com tudo o que há em nós. Acabamos por nos distrair com as notícias nos jornais, o muito trabalho que temos, a navegar pelas redes sociais ou com algo que nos rouba a atenção por mais um tempo.
A nossa vida continua até que um dia nos apercebemos que estamos a ser perseguidos, assombrado, por uma dor que não conseguimos decifrar bem o que é. Aos poucos, acaba por nos roubar a energia. Torna-se difícil sair de onde estamos. Simplesmente, é mais fácil estarmos parados no mesmo sítio, envoltos nos nossos comportamentos familiares.
Quanto mais confusos ficamos por esta pequena e assustadora sensação que não conseguimos perceber, mais poderosa ela fica. E quão mais ponderosa se torna, mais ficamos convencidos de que é um alerta para algo que se aproxima. Começamos a ligar pensamentos a essa sensação, medo a determinadas histórias. Essas histórias, como acabamos por nos aperceber, são ilógicas e são uma reação excessiva ao que sentimos, porque estamos convencidos que o nosso mundo está quase a chegar ao fim e que esta sensação, esta voz que sempre nos disseram para ouvirmos, está apenas a alertar-nos para nos protegermos.
A verdade é que, na nossa vida, as nossas experiências emocionais, se não forem vividas na sua plenitude, ficam para sempre connosco. Aquilo que não conseguimos ver agora é que não há nada de errado a acontecer. O que está a acontecer é que, finalmente, nos sentimos seguros o suficiente para nos permitirmos viver as emoções que fomos guardando. Assim, conseguimos parar de viver no amanhã, de contarmos histórias a nós mesmos e percebemos que a sensação de vazio que sentimos não nos fala do futuro, mas que ela é um eco do nosso passado. São as emoções que temos carregado em nós há muito tempo a falarem connosco.
É neste momento que estamos finalmente prontos para começarmos a curar-nos, sentindo-nos seguros para nos focarmos nestas emoções que nos incomodam. Deixá-los mostrar-nos as suas origens, para nos lembrarmos de momentos que nos esquecemos, de emoções que nos esquecemos. Devagar e ao longo do tempo, iremos começar a perceber o que está realmente errado connosco, uma parte de nós que se escondeu atrás de uma parede que construímos, para guardarmos uma ferida que não sabíamos como sarar. Reconhecemos que a raiva, a tristeza e a ansiedade que sentimos estão apenas a tentar despertar-nos para o que precisamos de enfrentar.
Iremos necessitar de chorar. De chorar pelo nosso Eu de 13 anos que teve o seu primeiro desgosto amoroso e pelo nosso Eu de 16 anos que sofreu de bullying. Teremos de fazer o luto pelo que perdemos e pela altura em que o perdemos. Teremos de voltar no tempo e colocar-nos nessas memórias, mas como adultos, e darmos voz à nossa criança interior, para que ela possa dizer o que não conseguiu dizer na altura, por não encontrar as palavras ou a coragem. Teremos de fazer isto várias vezes e, aos poucos, iremos perceber que estamos a sentir-nos mais leves. Estamos a libertar-nos. Apesar de não podermos mudar o tempo, podemos, de alguma forma, mudar a nossa narrativa.
Só se nos permitirmos sentir vulneráveis e pequenos é que nos iremos libertar de todas as emoções que nos estão a prender e poderemos render-nos a ver a nossa vida por aquilo que ela realmente foi, por aquilo que ela é mesmo: diferente, cheia de esperança e potencialidade. É assim que o nosso mundo começará a mudar, mesmo que lentamente. Gradualmente, regressamos a nós mesmos, depois de termos derrubado todos os bloqueios que impediam o nosso verdadeiro eu de estar no mundo.
No nosso processo de cura, não aprendemos apenas a curar o que não conseguimos anteriormente. Aprendemos também a seguir em frente, a como viver com mais intensão e mais presentemente, a processar as nossas vivências à medida que as vamos vivendo. Quanto mais o fazemos, mais despertos e presentes iremos estar. Dançar, quando nos apetecer. Chorar, quando estivermos tristes. Arriscar, apesar de todos nos dizerem para não o fazermos.
Quando somos fortes o suficiente para vermos o que está mal em nós, começamos a dar mais luz à nossa essência, aquela que sempre esteve presente e que nunca se perdeu. Só estava presa debaixo de anos e camadas de emoções escondidas que se tinham colado a nós como se de uma fortaleza se tratasse. E aquela sensação de vazio que sentíamos, acaba por se revelar ser apenas a nossa essência a tentar falar connosco, a tentar lembrar-nos que ela ainda existe em nós, a tentar dizer-nos que temos de continuar em frente, porque a vida é muito mais maravilhosa do que aquilo que pensamos.