Uma das características mais significativas da sociedade em que vivemos é, sem dúvida, a dificuldade de nos ligarmos, de criarmos conexões de compromisso. O grande problema não tem a ver, em minha opinião, com o compromisso em si, mas sim com a ideia que dele criámos e a energia que nele carregámos socialmente, principalmente porque assumimos como sendo algo que nos liga ao outro e nos impede de sermos verdadeiramente livres.
Contudo, o que ao longo dos tempos vou vendo e compreendendo é que a maior dificuldade que temos de assumir compromissos é connosco mesmos, até porque são esses que são verdadeiramente importantes. Na realidade, nenhum compromisso que seja assumido por causa ou direccionado para o outro, algum dia será compromisso, nem mesmo (muito menos) um relacionamento.
Comprometermo-nos implica, primeiro e acima de tudo, que criemos um laço único e especial connosco, com quem somos, com o nosso caminho e o nosso propósito, com um desejo, um sonho, um projecto, um foco na nossa vida. De nada serve o compromisso com o outro, a ligação que esse compromisso cria com outro ser ou até mesmo com uma situação, se ele não começa por um laço com o nosso coração, entregando-nos, primeiro, a nós mesmos. Se não for desta forma, garantidamente, o compromisso não passará duma promessa vã que, ao fim de algum tempo, se dissipará no ar.
O medo de dar um passo, em relação a nós mesmos, nesta direcção, remete-nos a uma das coisas mais simples destes tempos, o medo de não conseguir, de falhar, mas também ao medo de ficarmos presos e termos de cumprir com algo que já não somos nós. Por isso, muitas vezes atiramo-nos de cabeça para algo, deixando o coração na zona de conforto, no sofá das nossas supostas seguranças, bases e estruturas, aquelas que o nosso ego não quer deitar abaixo, nem sequer ver reconstruído. O ego é como nós, tem medo do que desconhece.
Um compromisso é um laço de coração que necessitamos de fazer, primeiro, em nós, de nos entregarmos, sim, ao nosso próprio propósito, compreendendo que aquele passo que iremos dar faz parte dum caminho que escolhemos fazer. Então, se o escolhemos, não faz sentido apenas parte de nós lá estar, não faz sentido caminharmos apenas com um pé no trilho, enquanto o outro fica no nosso ponto de partida. Invariavelmente, alguém vai ter de ceder – por norma, é a diferença que cede e voltamos ao ponto de conforto.
Comprometermo-nos não tem aquele carácter pesado e intensivo que a sociedade em que vivemos nos incutiu. Compromisso implica responsabilidade, sim, mas perante nós mesmos, não perante um outro ou uma situação. Esse, talvez, seja o maior erro que cometemos, o compromisso pelo outro, achando nós que estamos a ser muito valorosos ou que estamos a fazer algo de muito importante. O compromisso para com o outro, sem o laço a nós mesmos, é apenas uma obrigação, um peso que carregamos, que muitas vezes nem sequer é nosso, que, invariavelmente, torna-se uma mágoa, uma revolta e um desligamento progressivo.
Quando nos entregamos de coração a algo que amamos, que queremos, que sentimos como parte do nosso caminho, quando nos comprometemos e nos responsabilizamos, não há obstáculo que nos detenha, não há medo que nos paralise, o tempo estende-se e chega para tudo, a luz ilumina as sombras e há uma felicidade que nos preenche. Quando nos falta tempo, quando não sabemos se vamos conseguir, quando começamos a duvidar, quando nos sentimos carregados por aquele caminho, na verdade, esquecemo-nos de nos comprometer connosco, pusemo-nos em segundo lugar, largámos o coração e deixámos a mente tomar todo o controlo. Então, nesse momento, há que voltar a ele, ao coração, e deixá-lo mostrar-nos o caminho, como sempre, como em tudo nas nossas vidas.
Leonardo Mansinhos