Falo muitas vezes que vivemos numa sociedade fast-food, que deixou de pensar, de questionar, de buscar uma verdade pelo seu raciocínio, pensamento, pelo seu sentir e intuição. Generalizo, claro, mas a realidade é que, todos os dias, vemos esta realidade à nossa volta, nos nossos trabalhos e ocupações, assim como em nós mesmos. Tudo é rápido, tudo nos é exigido de forma imediata, sob pena de se perder algo, seja uma oportunidade, um negócio ou outra coisa qualquer. O resultado deste encurtamento de tempo, promovido especialmente nos últimos 40 a 50 anos, é uma vivência absurda e dramática de ansiedade, de depressão, de autoexigência e o amplificar de medos, algo que já afecta todos nós, inclusive, infelizmente, as gerações mais novas.
É vulgar encontrarmos pessoas com problemas que procuram soluções rápidas e imediatas, de preferência com o mínimo de esforço possível, uma espécie de pílula milagrosa que se toma e tudo resolve, mas tal não é possível. Na verdade, esquecemo-nos que os problemas para os quais se buscam as tais resoluções foram criados, alimentados e sedimentados durante anos e anos, muitas vezes durante décadas, que resolvê-los implica trabalho, esforço, dedicação e muito cuidado, pois, como sabiamente nos dizia Clarice Lispector: “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.”
Quando nos propomos a trabalhar as nossas questões, não podemos simplesmente fazer um trabalho de cosmética superficial (as tais soluções imediatas, o comprimido que tira a dor momentaneamente), pois, mais cedo ou mais tarde, o problema voltará, pior, com maior força e intensidade, mais enraizado e destruidor. Trabalhar um problema, seja ele de que natureza for, implica coragem, implica determinação, implica ter a audácia de ir ao fundo da questão e não ter medo de ver o que precisa, verdadeiramente, de ser trabalhado, e tal nem sempre é fácil. Como um prédio com um problema que se começa a ver no exterior, temos de perceber a sua origem, ainda que elas sejam as próprias fundações, para entender o que é preciso fazer.
Mergulhar no mais profundo do nosso ser não é fácil, não é simples, nem sequer pode ser feito de forma leve e descontraída, não pode ser substituído por nada nem por ninguém, e é por isso que, neste momento, pelo mundo inteiro, questões como depressões, ansiedade e outras tantas do foro psicológico ganham terreno, suplantando epidemias, transformando-se, elas mesmas, em grandes chagas sociais. No entanto, à nossa volta, não temos sequer a percepção do que se passa, escondemos quando é connosco, temos receio do que nos poderão dizer, tão pura e simplesmente porque a sociedade fast-food é também aquela que aponta o dedo, critica e julga com a maior das facilidades, sem sequer ter noção do impacto da sua própria acção.
A sociedade que construímos e em que vivemos, onde as fronteiras estão diminuídas e quase eliminadas, em que as distâncias se reduziram drasticamente, em que vivemos tudo em tempo real, começou a perder a capacidade de sentir, de criar empatia e conexão. Criam-se boatos por preguiça, porque é mais fácil passar os dedos nos telemóveis a ver as coscuvilhices da vida alheia do que pensar com a própria cabeça, porque é mais fácil esgravatar a vida do outro do que tratar da nossa própria vida. No entanto, é precisamente essa postura e essa atitude que nos tem encaminhado para uma autodestruição, e todas as grandes doenças que vemos hoje, seja do foro físico ou psicológico, são o resultado desse botão que por nós mesmos foi carregado.
Assim como tudo surge no momento certo, também é no tempo certo que tudo é trabalhado, quando nos propomos a deixar para trás os hábitos cáusticos e tóxicos, os pensamentos castradores e bloqueadores, os sentimentos que nos anulam, que nos prendem e nos entopem, as pessoas, as atitudes, tudo o que já não faz parte dum caminho que pretendemos e ambicionamos para nós. Durante uma vida inteira vamos carregando memórias, mas aquelas que mais ficam em nós registadas são as de sofrimento, e são essas que precisamos de curar, de deixar para trás, aprendendo as suas lições, integrando as suas dádivas, recolhendo os diamantes que estão guardados dentro de cada experiência.
Mergulhar em nós é ir ao mais fundo das nossas questões para encontrar essas pedras e lapidá-las, muitas vezes com o nosso sangue e suor, com as nossas lágrimas e dores, mas com a consciência de que há uma recompensa inigualável, a da nossa cura, e ela não significa que as marcas desaparecem e nunca mais temos de lidar com o assunto, não. Curar é reconectar-nos com a nossa essência num determinado ponto da nossa vida, nos nossos vários corpos, nas nossas realidades, e percebendo, compreendendo e integrando a vivência, permitindo-nos elevar a nossa consciência e resgatar mais um pouco da nossa alma. Passo a passo, voltamos ao nosso próprio Eu, à nossa unicidade, à nossa individualidade. Quando entendemos esta questão em nós, compreendemos também que não há atalhos, não há soluções rápidas e eficientes, há aquelas a que nos propomos, que lutamos, a que nos dedicamos e, por isso, merecemos. Nesse momento entendemos também que a grande recompensa, a grande dádiva, vem de nós para nós mesmos, quando nos permitimos viver, saborear esta passagem pela Terra e dar o que de mais belo existe no nosso coração.
Leonardo Mansinhos