Há alturas em que a vida nos parece trazer um tsunami de emoções, vivências tão fortes e intensas que, muitas vezes, parecem incomportáveis, impossíveis de se suportar. Outras alturas há que as mais belas, sinceras e profundas emoções são também vagas poderosas, que nos deixam desconfortáveis e desajustam-nos, muito por não sabermos lidar com elas. Crescemos num mundo onde as emoções foram diminuídas, mostradas como fraquezas, como fragilidades que nos tornam alvo fácil. Ensinaram-nos a protegermo-nos, a defendermo-nos, a colocarmos máscaras e armaduras, a desconfiar, a não mostrar a nossa vulnerabilidade.
As emoções, a sua vivência, são uma das mais poderosas forças que nos permitem evoluir, são, talvez, uma das maiores aprendizagens que viemos fazer à Terra e uma das que mais nos aproxima do Todo. No entanto, expressá-las, vivê-las, senti-las é, muitas vezes, um grande desafio para nós. Não só aquelas mais “negativas”, mas (muitas vezes até de forma mais pesada) também aquelas que consideramos “boas” emoções. Na verdade, elas são duas faces da mesma moeda, dois espectros complementares que precisamos de conhecer, até porque não podemos valorizar o doce sem sentir o amargo e, da mesma forma, não poderemos saber o que é a Luz sem passar pela Sombra.
O New Age e muitas filosofias espiritualistas das últimas décadas formaram o espelho da sociedade cartesiana e científica, levando-nos a ideias erradas sobre visualização e pensamento positivo, diabolizando emoções tão fortes e importantes como a raiva, a revolta ou a mágoa. Dessa forma, criaram a ideia de que devemos fugir de tais sentimentos, ignorá-los, pois eles são “maus” e não os podemos permitir nas nossas vidas e nos nossos corações. O que isso gerou, no fundo, foi que escondêssemos, numa sala recôndita da casa que é o nosso ser, tais vivências, atirando-as lá para dentro, esquecendo-as, fechando-as à chave e permanecendo com a chave sob o nosso total controlo. O problema é que, mais cedo ou mais tarde, tais emoções conseguem sair, transformadas em monstros gigantes, muitas vezes bem mais difíceis de trabalhar, e os resultados são profundamente devastadores.
Mais forte ainda é quando os tais tsunamis e vagas que atrás referi chegam, levando tudo à frente, abrindo portas e caminhos, retirando protecções que tão dedicadamente tínhamos construído e que achávamos indestrutíveis, mostrando-nos tudo o que dentro de nós estava guardado. Nessa altura, nada mais há a fazer que viver, que sentir, que nos deixarmos levar por tudo o que até nós chega, largar os controlos e, simplesmente, receber.
Não existe mal algum em viver revoltas, mágoas ou sofrimentos, raivas ou até desilusão. Eles são parte da condição humana, da aprendizagem que a Terra, na sua dualidade, na sua dimensão densa, nos dá como ferramentas para nos aperfeiçoarmos. O cancro espiritual forma-se quando alimentamos em nós tais sentimentos, quando cuidamos deles, quando os mantemos em nós, quando não os sabemos utilizar como força motriz para sermos melhores, e tal só é possível quando nos permitimos olhar para dentro de nós mesmos, quando nos permitimos ver como somos, na Luz e na Sombra, nos contornos que precisam de ser aprumados, nas vivências que nos definem como humanos.
É preciso purgar e limpar para poder sanar e curar, é preciso olhar para essas partes de nós e amá-las, não para as manter ou acarinhar, mas sim para as libertar, e tal significa que nos estamos a amar a nós mesmos e a libertarmo-nos. Todos esses sentimentos e emoções são partes de nós, que quando recusamos apenas estamos a segregar, a afastar, e a alimentar, não nos permitindo vermo-nos neles, tomarmos consciência de como eles se formaram, do porquê de os vivermos e do que eles nos querem ensinar. É duro, claro, e difícil ver esses sentimentos em nós, mas quando eles existem, sendo de natureza própria ou tendo surgido através de uma qualquer pessoa ou situação que connosco se cruza no caminho da vida, eles querem-nos mostrar algo que precisa de cura, algo que nos pode melhorar e colocar no caminho do nosso propósito de vida. Na verdade, se formos capazes de os trabalhar, seremos gratos por tudo e por todos aqueles que até nós nos trouxeram essas situações, esses sentimentos, e assim descobrir que é apenas o amor que cria e que liberta.
Leonardo Mansinhos