Muitas vezes ouvimos, e ainda bem, que somos todos espelhos uns dos outros, que aquilo que o outro nos traz existe em nós, que o que ele desperta em nós é algo que necessitamos de trabalhar. Com as devidas excepções e com o cuidado de não generalizar, tudo isso é verdade, tudo o que se passa à nossa volta, tudo o que o outro nos faz sentir, pensar ou vivenciar faz parte de uma trama magnífica, invisível e sublime, que a todos nós une, em níveis e profundidades diferentes, mas que faz com que todos aqueles que se cruzam connosco tenham algo para nós, assim como nós temos algo para esse outro ser.
Na Terra vivemos sempre em dualidade, é um dos princípios existenciais da experiência terrena, e aquilo que chamamos de efeito espelho é uma das formas de a mostrar e vivenciar, com vista a aprender o que nela precisamos e integrarmo-nos, de forma mais profunda. Quando o outro se cruza connosco, ele activa uma aprendizagem, traz um desafio, uma dádiva de crescimento, seja por nos mostrar algo de belo e luminoso, seja por nos trazer parcelas da nossa sombra que necessitamos de mexer e trabalhar.
Então, outro dos grandes desafios que nos traz a vivência terrena é o sabermo-nos colocar no lugar ou no olhar do outro, daquele que nos faz querer ser diferente ou melhor, que se torna um exemplo ou referência, mas também, e principalmente, daquele que nos confronta, que nos irrita, que mexe connosco, que nos faz sentir algo ou ter uma reacção que, em circunstâncias normais, até nos poderia criar repulsa.
Colocarmo-nos no lugar do outro, entender as suas razões e os seus passos, é, no fundo, integrar uma parcela de nós mesmos que, muitas vezes, não queremos ver. Compreender o porquê das nossas reacções, das nossas palavras, pensamentos, sentimentos ou actos, permite-nos ver o que esse outro reflecte de nós mesmos e, dessa forma, podermos trabalhar, não no sentido de nos darmos bem com ele, de sermos queridos e agradáveis com toda a gente, mas sim para que possamos compreender-nos melhor, crescer e evoluir, tomar as nossas decisões e fazer o nosso caminho.
Quando não o fazemos, quando não olhamos a vida pelos olhos do outro, instintivamente e, muitas vezes, de forma totalmente inconsciente, comparamo-nos, mesmo sem o entender, e, simplesmente, reagimos. Se não queremos ser iguais ao nosso pai, recusamos o seu exemplo, cortamos laços, não conseguimos separar o homem do Ser e isso cria uma fractura na nossa própria identidade, pois procuraremos mais não ser como ele e menos ser nós mesmos. Se não queremos ser identificados através dum determinado tipo de atitude ou postura, como o falhar ou o ser emocional ou complacente, na ligação com os outros, tornamo-nos rígidos e exigentes, quebrando uma ligação de confiança e, tantas e tantas vezes, promovendo uma repulsa gerada por medo, onde um domina e o outro se torna submisso.
O espelho que o outro me traz é uma ligação energética, uma integração que necessitamos de fazer, uma relação que pede equilíbrio para que ela possa ser criadora de algo nas nossas vidas. Se o professor domina o aluno, não lhe dando espaço para questionar ou para colocar em causa o ensinamento que lhe é dado, rapidamente ele se coloca num pedestal e o aluno se sente anulado e desmotivado, apagado na sua identidade, a mesma que, num determinado momento, por alguma razão, ou por um puro acaso (caso eles existissem), escolheu aquele professor, aquela referência, aquele exemplo. Nesse momento, duma forma simples, o aluno que tem consciência de si mesmo, das suas capacidades, não se irá rever no professor e se afastará.
No fundo, o que o outro me traz é algo que só poderei ver se for capaz de olhar para mim, de não me imiscuir desse percurso de compreender o meu papel, a minha identidade. No entanto, como é óbvio, este olhar é interior, é profundo, revelador da nossa luz interior, pois é ela que poderá iluminar esse espelho e permitir-me ver, claramente, através deste outro que, em dádiva inconsciente, escolheu trazer-me algo, escolheu mostrar-me algo de mim, vendo também algo dele próprio. Quanto maior a visão de ambas as partes, maior a tomada de consciência e melhor o laço que se desenvolve, daqueles que une perfeitamente quando é necessário, e assim se mantém, mas que se solta facilmente quando já não é preciso. Se os olhos, como se diz, são o espelho da Alma, então, através do olhar do outro vejo muito mais do que uma atitude, venho um propósito.
Leonardo Mansinhos