Digo constantemente que os tempos que correm são profundamente desafiadores, em muitos sentidos difíceis e agonizantes. Digo também que tudo o que vemos no mundo e nas nossas vidas é um reflexo do que vivemos dentro de nós mesmos, um reflexo dos desafios de transformação que a humanidade, como um colectivo, mas através de cada um de nós, está a viver. No entanto, um dos maiores desafios que encontramos, nos dias que correm, nada tem a ver com as catástrofes que têm acontecido ou com determinadas situações políticas, económicas e sociais, mas sim com aquele que, para mim, é a grande solicitação dos nossos tempos, a duma profunda mudança de atitude.
Vemos, em cada situação de catástrofe, principalmente, um grande movimento de solidariedade, de consternação, um apelo à prece e à oração. Nada disto está errado, bem pelo contrário, mas são o prolongar de algo que nos tem definido como sociedades ao longo de muitas décadas, a reacção, a falta de proactividade, a dificuldade em assumir um conjunto de responsabilidades que estão presentes em nós, quer tenhamos ou não consciência delas.
Aprendemos a estar na vida num formato de reacção, chocando-nos com o que se sucede e agindo após o acontecimento. No entanto, esta forma de estar é apenas uma espécie de penso rápido, que remedeia a situação, mas não a resolve nem a transforma, deixando toda a lição que lhe está subjacente de parte, esquecida e ignorada, potenciando o repetir da situação, a criação de um padrão, cada vez com maior dimensão.
Os tempos que vivemos são de mudança e transformação, sem dúvida, mas ela necessita de ser feita com uma profunda reflexão e integração das diversas aprendizagens que nos estão a ser dadas. Nada do que se passa no mundo está desconectado de nós, mas nós vivemos profundamente desconectados de tudo, assobiando para o lado, como se não fosse nosso, mas a realidade é que ainda que não tenhamos a culpa das situações, sem dúvida, temos uma parcela, por ínfima que seja, de responsabilidade.
Apenas quando olhamos para tudo o que vivemos, para os acontecimentos à nossa volta, desde as grandes questões do planeta ou do país, até à nossa comunidade e à casa do lado, compreendendo que estamos todos ligados, poderemos ver o que nos está a ser mostrado, poderemos receber os seus ensinamentos. Esta compreensão, com consciência, com humildade, sem julgamento, culpa ou crítica, permite-nos uma integração profunda, uma visão clara, sem véus ou capas.
Não pensemos, porém, que tal só é necessário para as grandes questões do mundo, para situações de catástrofes ou de problemas globais. Na verdade, este processo necessita, primeiro que tudo, de ser feito individualmente, em consciência, em verdade. Não chega apenas mudar pensamentos, não chega fazer grandes processos de perdão, escrever e publicar frases bonitas nas redes sociais, não chega meditar ou entoar algum tipo de mantra, oração ou intenção. Os tempos que vivemos pedem uma profunda transformação de atitude, com mudança efectiva de postura, de forma de estar, pedem, não grandes acções, mas sim pequenas, constantes, proactivas, de coração e alma.
Quando cada um de nós age sobre si mesmo, quebrando o ciclo da reacção constante, abrindo os olhos e o coração em gratidão por e para tudo o que é vivido, há um movimento, uma profunda cura, uma consciência que é tomada, que quebra padrões e transforma vidas. Depois, como peças de um puzzle, tudo se une, criando um pedaço duma nova realidade, que, ainda que não seja perfeita, já é diferente, fruto duma consciência mais clara e amorosa. Assim, percebemos também que nada nos acontece por um acaso, que tudo tem o seu lugar certo e perfeito, que as situações mais duras e difíceis são aquelas que mais nos transformam, mas, acima de tudo, que este é um caminho constante, que a escada é subida degrau a degrau, que não há corta-matos nem caminhos perfeitos, mas sim processos, dedicação, dádiva e entrega, e é só isso que, realmente, importa.
Leonardo Mansinhos
“Assim, percebemos também que nada nos acontece por um acaso, que tudo tem o seu lugar certo e perfeito,“
Obrigada 🙏