Muitos de nós, desde há algumas semanas para cá, estamos a experienciar mudanças, transformações, tomadas de consciência, algumas muito rápidas e incisivas, outras muito profundas e reveladoras. Para todos, sem excepção, o tempo que vivemos é de intensidade, e ainda que não se manifeste directamente na vida concreta, ou que não seja sequer visível, é bem perceptível, quando nos permitimos parar um pouco para olhar para nós.
Muitas vezes, maior parte das vezes, a realidade concreta, a manifestação na matéria de algo, é uma ínfima parte de um todo que se foi formando, dimensionando e estruturando. Vejamos como à nossa volta as flores começam a desabrochar e a trazer-nos as suas cores e o seu perfume, mas tudo isso foi preparado durante muito tempo e, se pensarmos bem, tudo começou numa semente que foi guardada pela terra e manifestada no tempo certo, nas condições perfeitas.
Da mesma forma, em nós, tudo se vai dimensionando numa aprendizagem constante e concreta, passo a passo, degrau a degrau, até que, quando tudo está preparado, no tempo certo e perfeito, quando as condições assim o permitem, a vida mostra-nos os caminhos, as direcções e as aprendizagens. No entanto, o Ser Humano, ao contrário de tudo o resto que a Natureza cria neste planeta, tem dificuldade em entender este tempo, pois essa dimensão, a que aprendemos a dar forma através da mente, é um enorme desafio de aprendizagem, um verdadeiro e duro Mestre.
Estamos constantemente à espera do tempo perfeito para alguma coisa, para uma ideia ou para um projecto, para um sonho ou para uma visão, mas a vida ensina-nos, como nestes tempos que vivemos, que tudo se constrói com uma cadência própria e única, alinhada com o desafio de cada um de nós. Nessa espera, deixamos a vida passar-nos ao lado e não percebemos que cada instante é, em si mesmo, uma revelação do caminho, uma chave para uma porta, uma ponte para outro momento.
Quando vivemos tempos, como este, em que pouco controlo nos é dado sobre tudo, nomeadamente sobre as questões da nossa vida, é-nos ensinado a largar o acessório, o supérfluo, o excesso de carga, para simplesmente nos deixarmos encaminhar, nos deixarmos guiar. Muitas vezes, tantas vezes, é preciso parar e voltar ao essencial, desligar e voltar a ligar, reestruturar ideias, repensar conceitos, mudar o foco, apenas e unicamente para voltarmos a nós e ao que realmente tem valor para nós.
A intensidade com que estamos a viver as nossas vidas é o reflexo de uma sobrecarga, de uma dificuldade em largar os mecanismos de controlo, as necessidades de termos tudo no sítio que achamos correcto. Como um motor que não tem descanso nem manutenção, entramos em colapso em nós mesmos, desajustados e desalinhados da nossa essência, da nossa verdade. Então, muitas vezes, o segredo é tão simplesmente parar, desligar e voltar a ligar, o que não significa uma pausa, férias ou algo do género, mas sim um mudar de atitude, um mudar de direcção da nossa visão, não para encontrar algo de novo e extraordinário, mas sim para, simplesmente, ver o que sempre esteve ao nosso alcance, mas a que nunca nos tínhamos proposto alcançar.
O trabalho não acaba aqui, bem pelo contrário, pois esta revelação apenas nos traz uma responsabilidade diferente, a de mudar hábitos e padrões, a de curar processos e transformar o que está latente nas nossas vidas para tal. Não é o Universo, a vida ou algum ser superior que tem esse papel e essa responsabilidade. Não cabe a nada do que seja exterior o caminhar do nosso trajecto. Tudo o que nos é dado é-o por nossa responsabilidade e predisposição, por nosso pedido, no fundo. No entanto, cabe a cada um de nós agarrar essa oportunidade, abraçar o desafio, cumprir a aprendizagem.
Ainda que tudo seja intenso e profundo, com uma espécie de montanha-russa a manifestar-se em nós ou na nossa vida concreta, quando tomamos consciência dos nossos caminhos, quando abrimos o nosso olhar para o que nos é dado, quando nos permitimos estar presentes na nossa vida, a serenidade que se instala em nós faz com que nos entreguemos, com que nos libertemos, com que consigamos, verdadeiramente, viver. Muitas vezes esperamos um grande momento, um grande insight que nos mostra tudo com clareza para podermos fazer alguma coisa. No entanto, a maior revelação está todos os dias, todos os momentos, em todos os instantes, à nossa frente, quando nos predispomos a vê-la, quando percebemos e aceitamos que nada surge no tempo errado, nem está fora do sítio, mas sim que tudo surge no tempo certo e se alinha de forma perfeita, cumprindo um desígnio que ultrapassa a matéria e o tempo, o do nosso próprio Espírito.
Leonardo Mansinhos