Neste caminho que é uma vida na Terra, um caminho, de certa forma, curto, mas muito intenso e cheio de desafios e de possibilidades, uma das aprendizagens mais profundas e importantes é a do que é, na verdade, esta coisa de ser-se humano. Esta compreensão, tão necessária e tão bela, mas também tão difícil e constante, pede, sem dúvida, um enorme mergulhar dentro de nós mesmos, um olhar para o nosso Eu, para o nosso percurso, para quem somos, não só individual, mas também colectivamente.
Refiro muitas vezes que o mundo que nos rodeia e a forma como para ele olhamos é um reflexo do que se passa dentro de nós, o que nos leva à ideia de que, em primeiro e última instância, de forma colectiva, os problemas do mundo são, na verdade, o espelho de tudo o que se passa com a humanidade. O egoísmo, a soberba, a necessidade de poder, de posses e de matéria, de forma desenfreada, ao longo de séculos, cristalizou-nos e retirou-nos muito do que é a nossa humanidade, na sua forma mais pura e bela, a vivência do amor, da partilha, da compaixão, da dádiva, da esperança e da fé.
Nesta necessidade desumanizada de coisas da matéria, explorámos o mundo, como um parasita, como um vírus que vive dependente do seu hospedeiro e que o consome até ao limite, destruindo-o, se for necessário, esquecendo que a matéria é, em tudo, efémera e apenas um caminho para a manifestação do nosso Espírito. Em momento algum é previsto que não possamos usufruir das coisas da matéria, bem pelo contrário, pois acredito que a vida neste plano é, por natureza, próspera, mas tal só é possível quando existe um fluxo, uma harmonia, que está subjacente a algo muito importante, as pedras basilares que nos sustentam, os nossos valores e crenças.
Há uma parábola do Mestre que gosto particularmente, a do homem prudente que edifica a sua casa sobre a rocha. Esquecendo uma interpretação mais religiosa e até mais fechada, gosto destas palavras porque elas lembram-me sempre um pedido constante que a vida nos faz, a de nos recordarmos de quem somos, de termos a noção de como nos queremos estruturar, de onde queremos construir aquela que é a nossa “casa”. Construir a casa sobre a rocha é, no fundo, sabermos colocar cada peça do nosso caminho sobre aqueles que são os nossos principais e mais autênticos valores, os alicerces de quem somos, e tal só é possível quando estamos centrados em nós mesmos, quando nos vamos conhecendo, quando vamos trabalhando em nós mesmos.
Isto não é para sermos perfeitos e melhores que os outros, pois isso é apenas um alimento para o nosso ego, mas sim para constantemente estamos no nosso trilho, com todos os erros e aprendizagens, com o cair, levantar e fazer melhor, até chegarmos ao topo da nossa montanha. Fazer este caminho só é possível quando nos recordamos de quem verdadeiramente somos, dos valores que nos guiam e nos orientam, a bússola do nosso percurso.
São eles que precisamos constantemente de revisitar, principalmente em momentos fulcrais da nossa vida, como os alicerces duma casa que, em determinados momentos, precisamos de rever e de fazer manutenção. Sem esta percepção, como nos diz a parábola, construímos a nossa casa sobre a areia, e qualquer tormenta nos deita abaixo, mas quando a edificamos sobre a rocha, uma tempestade pode até fazer alguns danos, mas não a destruirá.
É olhando para dentro de nós, mergulhando nos nossos medos e sombras, trabalhando as nossas feridas e desafios, que conseguimos renascer em nós e nos elevarmos naquelas que são as pedras basilares do nosso ser, os valores fulcrais que verdadeiramente nos construíram. Por vezes, não são aqueles que nos ensinaram ou que nos formaram, nem sequer os que fomos absorvendo ao longo do nosso percurso, mas são sempre os que vibram em nós, aqueles em que nos reconhecemos na nossa verdade, na nossa essência, reflexo do nosso Espírito, gerados da nossa Alma.
Recordarmos quem somos, recordarmos a nossa humanidade, como referi na primeira reflexão deste ano que agora termina, e que nestes últimos dias continua a ser tão fulcral como nos seus primeiros, é reforçar os alicerces do nosso Ser no amor, na compaixão, na fé e na esperança, sendo também isso que poderemos oferecer ao mundo que nos rodeia. É esta construção, de dentro para fora, dos alicerces até ao topo, que pode fazer de cada um de nós um farol, que brilha por si e oferece a sua luz para ajudar os que chegam até nós a se encontrarem, mas que não os prende junto a si nem deles se alimenta. Pelo contrário, o grande propósito é sermos uma luz que acende e não que consome, que se amplifica pela partilha, recordando que estamos todos ligados.
Por isso, é importante olharmos para dentro de nós e compreendermos, primeiro que tudo, onde estamos a construir o nosso caminho, para que, depois, possamos decidir onde e como queremos contruir a nossa casa, o nosso ser, o nosso caminho. Recordar as pedras basilares do nosso ser e revê-las, ressignificá-las, se necessário, ajustá-las em cada etapa do nosso percurso, é mudar também a forma como olhamos o mundo e como nele actuamos. Se cada um de nós mudasse pequenos hábitos, pequenas coisas, criaríamos uma onda de transformação no mundo, e tal não é uma ilusão ou uma esperança, mas sim uma realidade, provada em muitos momentos no nosso caminho, e que começa de dentro para fora, como uma nascente que encontra uma brecha na montanha e, gota após gota, abre caminho, tornando-se, por fim, num rio que ganha forma e cuja água alimenta a vida que o rodeia.
Leonardo Mansinhos