Muitas vezes encontramo-nos com situações complicadas nas nossas vidas, pesos profundos e dilacerantes nos nossos corações. Muitas vezes sentimo-nos presos, acorrentados, sem rumo, dispersos, com a vida sem sentido, sem foco, com padrões a repetirem-se, com histórias a serem iguais, apenas com outros contornos. Perante estes cenários, os medos amplificam-se, a ansiedade toma conta de nós, e tentamos contrabalançar com algo que achamos que precisamos, que nos faz falta, que pensamos que vai poder compensar.
Frequentemente, chegam até às minhas consultas pessoas com estes panoramas, com corações muito magoados, feridos, cicatrizes abertas e dores profundas. Frequentemente, tento orientá-las para uma tomada de consciência, a da necessidade absoluta de iniciar e viver um profundo processo de perdão, pois, acredito, só dessa forma, conseguimos aligeirar as cargas pesadas e libertarmo-nos de tudo o que nos prende. Perante esta consciência, encontro frequentemente resistência, pelos mais diversos motivos, mas, acima de tudo, pelo facto de termos muita dificuldade em compreender o que é essa coisa poderosa que é o perdão.
Digo constantemente que o perdão não serve o outro, mas sim a nós mesmos, pois quando nos permitimos viver esse processo, percebemos que ele não é um desculpar, um esquecer ou um ignorar, mas apenas e unicamente um separar, um reposicionar e reorganizar de algo que que foi vivido e que teve um propósito nas nossas vidas. A grande questão é que, muitas vezes, visualizamos o perdão como um apagar de algo, um passar à frente, algo que raramente é, que não pode, na verdade, ser dessa forma simplista e irresponsável.
Perante algo que nos magoou, que nos abriu uma ferida, o perdão é o limpar, o purificar, o permitir da cicatrização bem feita e sem nenhuma infecção. Após a cicatrização, se a ferida foi grande, há uma marca que fica, não como uma dor permanente, mas sim como uma memória, uma lembrança. Por outro lado, se não fazemos a limpeza e a purificação, a ferida vai infectar e o resultado, mais cedo ou mais tarde, vai ser uma doença grave, que poderá contaminar todo o nosso sistema e, em última instância, matar-nos. Na verdade, acredito que a falta de perdão é uma das principais causas de morte no mundo inteiro, a verdadeira causa duma grande parte das doenças que nos chegam à vida.
Perdoar é o reconhecer de algo e a tomada de consciência dessa situação nas nossas vidas, do que ela nos mostrou, do que ela nos ensinou. Nesse processo, olhamos o outro lado, sem dúvida, mas precisamos também de olhar o nosso. Sem o fazermos, vamos apenas projectar culpas, sejam as nossas ou as do outro, vamos apenas viver nesse peso profundo que leva à raiva, à revolta, ao rancor, que nos consumirá e nos destruirá. Contudo, quando olhamos, entregando-nos de coração a essa visão, para o que vivemos, compreendemos o seu papel na nossa vida, compreendemos quem fomos e quem o outro foi, compreendemos a lição que nos foi apresentada e propomos-nos a aprendê-la e integrá-la.
É nesse caminho chamado Perdão que encontramos a bênção que nos foi entregue sob a forma de provação, de dor, de abandono, de dilaceração. Encontramo-la quando nos propomos a colocarmo-nos no centro das nossas vidas, a assumirmos as nossas responsabilidades e escolhas, a compreendermos o que é nosso e o que não é e, assim, simplesmente, largarmos. Sim, o perdão é um largar doce, profundo, de tudo o que não nos pertence, e que, ao fazê-lo, conseguimos evoluir, crescer. O perdão é o largar de um enorme pedregulho que seguramos no fundo do mar, tão pesado que nos impede de nadarmos para a superfície, tão poderoso que, quando o largarmos, ganhamos um impulso mais forte que nos traz rapidamente cá para cima.
O perdão, como referia acima, é para nós, não para o outro. Isso não significa que só vou ver as minhas falhas e erros, nem sequer que assumo as culpas unilateralmente. Na verdade, isso significa que vejo o todo e o separo em parcelas, que largo as que não são minhas e assumo as que me pertencem. A essas, que são os meus actos, os meus pensamentos, as minhas emoções, as minhas atitudes e posturas, dou-lhes um lugar próprio na minha vida, dou-lhes um pouco de colo e de carinho, converso com elas, revejo as parcelas do meu ser que imploram por uma cura, por um resgate. Nessa postura, profundamente responsável e comprometida, assumo o que é meu e tudo o que com ele vem, e carrego-o comigo até estar totalmente pronto a ser largado, integrado ou transformado.
Contudo, muitas vezes, por não fazermos estes processos em nós, por não nos vermos nem nos centrarmos, carregamos tudo em nós, numa mochila pesada e gigantesca que nos impede de avançar, de cumprir o nosso caminho e percorrer a nossa montanha. Com o tempo, esses pesos aumentam, não por terem crescido, mas sim porque os continuamos a segurar, como quando sustentamos um copo durante muito tempo – sabemos que ele não aumenta de peso, mas a verdade é que, a cada minuto que passa, vai-se transformando em chumbo nas nossas mãos.
Quando nos propomos a olhar, com um profundo amor por nós mesmos, para o que vivemos, para o nosso percurso, para o que correu bem e para o que correu mal, compreendemos que tudo foi muito maior e muito mais enriquecedor do que víamos ao primeiro olhar. Quantas vezes não olhamos para uma situação das nossas vidas pela lente do seu final ruinoso, esquecendo de tudo de bom que ela nos ofereceu durante a sua vivência? Ao mudarmos a nossa visão, ao lhe retirarmos a culpa e a abraçarmos como parte de nós, libertamo-nos do que nos agarra e prende ao outro, cortamos uma ligação de poder, pois não é mais do que isso que é vivido.
O perdão liberta-nos, não por nos deixar sem qualquer mácula ou cicatriz, mas sim porque nos dá a possibilidade de seguirmos o nosso caminho, sem qualquer jogo de poder, apenas com a enorme e consciente responsabilidade de quem somos em cada momento. Ao cortarmos essas ligações viciosas, somos totais e íntegros no nosso percurso e cada passo é apenas nosso, e isso assusta-nos muitas vezes, em muitas situações, e nos coloca, de forma inconsciente, barreiras ao próprio perdão. Contudo, é esse corte, essa liberdade, que nos projecta para vivermos o nosso verdadeiro poder, com tudo o que somos, com tudo o que fizemos e que construímos, com tudo o que podemos ser.
Entregarmo-nos à vivência de um processo desta intensidade é rasgarmo-nos de nós mesmos, é libertarmo-nos em toda a amplitude do nosso ser, não só em relação a uma situação, mas a um hábito, a um padrão que, na verdade, é multidimensional, que ultrapassa até o tempo e o espaço. Sem perdão, por muito que procuremos fora, à nossa volta, no outro, sentir-nos-emos sempre divididos, quebrados, imperfeitos e incompletos. É o Perdão que revela o poder do Amor, aquele que compõe o que parece faltar, que nos restaura na nossa integridade, que nos preenche e nos faz, verdadeiramente, revelar a nossa essência, libertar o nosso potencial, viver a nossa Vida.
Leonardo Mansinhos
O Perdão é a grande Oração de cura!
Grata!
Margarida.
Essa “mochila” emocional francamente até se transforma em algo físico. Um peso nos ossos, moídos e perros…
Hei-de lá chegar, à doce liberdade que vem com perdoar o imperdoável Por mim, não por quem me magoou. Com tempo ^^
Não podemos apagar uma coisa que já aconteceu, que já foi feita e que já vivemos. A única forma de superá-la é compreender, aceitar e como bem dizes perdoar. Entender o momento, não significa estar sistematicamente a revivê-lo… é ir lá, ver de fora, como quem vê um filme…compreender a mensagem, encaixar o que precisa ser incorporado e perdoar. Das coisas mais libertadoras que pode existir, perdoar e saber perdoar. Obrigado pelo teu texto