Se taparmos o nariz e a boca acontece a mais elementar das evidências. Tão elementar que até parece ridículo. Contudo, tapar as vias respiratórias talvez seja um exercício a fazer naquelas alturas em que nos esquecemos de viver no deslumbramento da inspiração do ar que viaja nas estradas dos nossos pulmões. É que não podemos viver nem vivenciar os sabores e dissabores da vida, nem podemos apreciar o que somos, o que temos, o que vemos e o que sentimos, se não respirarmos.
Então, talvez esta questão não seja assim tão insignificante. É que respirar é tão simples e automático que até nos faz esquecer que é um milagre. E os milagres são grandeza. E pelas grandezas da vida só há uma forma possível de reverência: a Gratidão.
Todos os dias encontramos motivos para acordar sob o tecto da gratidão. Não uma gratidão abstracta, de dizer obrigada ao universo e a outros infinitos, mas, sim, uma gratidão concreta e imediata. Gratidão a nós próprios por nos permitirmos sentir gratidão. Gratidão pelas coisas simples da vida, que, por serem gratuitas e tão grandiosas, até parecem mentira.
Gratidão pela nossa família e pelos nossos amigos. Gratidão pelas nossas forças e fraquezas. Gratidão pelos nossos erros, que nos trazem aprendizagem. Gratidão pelo nosso trabalho. Gratidão pelo azul do céu e do mar, pelas flores do campo, pelas cores do Outono. Gratidão por nos amarmos e sermos amados. Gratidão por todos os pequenos presentes à nossa porta.
Gratidão por estarmos aqui, agora, neste presente.
Não é de todo um chavão isto de aclamar gratidão pelas subtilezas da vida. Muito pelo contrário, é um acto de humildade e nobreza, um motivo de grande alegria e de conexão com a vida e com os outros. Pois, é quando captamos esta magia das coisas, que se dá o clique para a beleza de tudo o que damos por garantido. E também para o seu enorme valor. Até porque assim que tomamos consciência de tudo o que temos, vemos tudo o que podemos perder.
Portanto, antes de nos lamentarmos das vicissitudes da vida, sejamos gratos pela simples razão de sentirmos a brisa do mar e respiremos bem fundo como forma de agradecimento pela nossa existência.
Agradecer deveria ser tão simples quanto respirar, mas nem sempre é assim. Até porque não é possível viver sempre em modo manual. O piloto automático acelera e também porque, por vezes, a vida coloca-nos perante situações de perder o fôlego. No entanto, quando os automatismos nos levarem para o caminho da ilusão das coisas dadas por garantidas, basta fazermos aquele exercício de tapar as vias respiratórias para percebermos que respirar é o ponto de partida e de chegada da Gratidão.
Quanto maior é a gratidão, maior é a aceitação. Quanto maior é a gratidão, menores são os impactos. Quanto maior é a gratidão, maior é a nossa alegria de viver. Quanto maior é a gratidão, maior é o nosso coração.